Edição 219 - Brasília, 03 de fevereiro a 03 de março de 2019

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Cultura

Educação com direitos humanos
O verdadeiro compromisso da liberdade

Por Marcos Fabrício Lopes da Silva

Os horrores cometidos durante a 2.ª Guerra Mundial (1939-1945), incluindo o extermínio dos judeus pelos nazistas, despertaram a consciência dos povos para a urgente necessidade de evitar sua repetição. Por meio de ampla e equilibrada definição dos direitos do ser humano, todos os esforços haveriam de ser envidados para que uma história tão triste e vergonhosa jamais voltasse a acontecer. Este século 21 só poderá ser glorioso se respeitar o princípio de que não haverá absoluta igualdade enquanto existirem discriminação e preconceito em relação a raça, sexo ou qualquer outra ordem social. No excelente livro Direitos Humanos no Século 21, retratando o inteligente diálogo entre Austregésilo de Athayde (1898-1993) e Daisaku Ikeda, foi dito que o ser humano é o titular dos direitos humanos e que, apesar das divergências de ordem política, de conceitos sociais diversos, da variedade dos fundamentos históricos, havia um propósito comum que a todos animava: o de chegar ao término da grande obra que as Nações Unidas consideravam essencial e imprescindível para garantir a paz no mundo.

Austregésilo de Athayde revelou que a sua maior preocupação enquanto participou dos trabalhos de elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos foi a criação de um liame moral e espiritual entre os diversos povos do mundo. Os laços econômicos e políticos não bastam e são precários. O respeito, em todas as suas formas e acepções, à dignidade humana representa muito mais do que uma limitação modal ao Estado e às instituições sociais públicas e privadas: é a essência de um modo de pensar e agir. A dignidade da pessoa humana é, e será sempre, uma obra em constante construção, sedimentada no firme compromisso com uma sociedade mais justa e igualitária e fundada no respeito à diversidade e valoração do ser humano.

Em linhas gerais, os Direitos Humanos são o conjunto de regras mínimas essenciais à convivência harmoniosa entre os seres humanos, com vistas à sobrevivência e evolução da humanidade. Em sociedades marcadas pela exclusão, pelos conflitos, pelas desigualdades estruturais, vivendo situações de injustiça institucionalizada, a questão dos direitos humanos se torna central e urgente. A perspectiva latino-americana sobre os direitos humanos afirma a existência de uma relação incondicional entre democracia, desenvolvimento integral e direitos humanos. Imprescindível a promoção dos direitos econômicos, sociais e culturais dos diferentes povos, assim como a atenção prioritária às necessidades básicas dos grupos sociais discriminados, como os índios, as mulheres, as crianças, os negros, os pobres, os indigentes.

Os Direitos Humanos constituem um novo ramo do direito, com princípios próprios e se manifesta a partir de uma vertente humanista da globalização. A doutrina constitucional reconhece três níveis de direitos fundamentais, nomeados de primeira, segunda e terceira gerações e, para alguns, também, já de uma quarta geração, também referidos como dimensões de direitos fundamentais. Tomando como classificação o critério da extensão referencial da titularidade dos direitos, passa primeiro pelo indivíduo, depois pelo grupo, a seguir pela sociedade ou comunidade, até chegar ao gênero humano. Nesta perspectiva, seriam direitos de primeira geração aqueles que se referem à individualidade das pessoas (liberdades físicas, liberdades de expressão, liberdade de consciência, direito de propriedade, garantias de direitos), enquanto os reservados ao grupo, ou sociedade, seriam os direitos sociais, de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais); os direitos da terceira geração seriam os direitos de solidariedade e fraternidade (direito ao desenvolvimento, direito ao meio ambiente sadio, direito à paz, direito à descolonização), e finalmente os direitos do gênero humano, que seriam os de quarta geração.

A Constituição Federal promulgada em 1988 se revela como o diploma constitucional brasileiro mais afinado e melhor identificado com os propósitos declaratórios, reconhecendo uma plêiade de Direitos Humanos como essenciais e fundamentais, inserindo-os no ápice do ordenamento jurídico pátrio ao qual tudo o mais se subordina, principalmente as leis, enquanto regulamentadoras pela via das normas infraconstitucionais. A Constituição Cidadã determina no Art. 205 que: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, numa direção clara em favor de uma educação voltada para a defesa dos Direitos Humanos e a Cidadania.

A educação é, antes de tudo, um compromisso com a pessoa, com o ser humano. É, pois, uma relação dialógica. É um ato de amor, de transformação, lembra Paulo Freire (1921-1997), em seu livro Educação e mudança (1981). A Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), em seu Art. XXVI, 2 estabelece: “A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais”. Educar para a cidadania é educar para uma democracia que dê provas de sua credibilidade de intervenção na questão social e cultural. É nesta perspectiva que se situa a Educação em direitos humanos. A escola, instituição formal, é um significativo canal para a formação de cidadãos conscientes e críticos com relação ao seu papel enquanto sujeitos de direitos e deveres, assim como na permanente afirmação de seu compromisso humano como agentes de transformação social e se apresenta como espaço privilegiado para a discussão democrática e a afirmação dos seus valores, bem como instância social para a construção de valores éticos e a formação da cidadania individual e coletiva.


Marcos Fabrício Lopes da Silva é  professor das Faculdades JK e Metropolitana, no Distrito Federal. Jornalista, formado pelo UniCEUB. Poeta. Doutor e mestre em Estudos Literários pela UFMG.