Edição 216 - Brasília, 04 de março a 01 de abril de 2018

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Cultura

Dicionarista antropofágico
Os verbetes de Oswald de Andrade

Por Paulo Lima

Foto: Divulgação

Oswald de Andrade: a história em verbetes de humor

O Dicionário de bolso de Oswald de Andrade é uma pequena grande peça de humor. A forma dicionarizada é apenas o caminho que o autor do Manifesto antropófago encontrou para deglutir grandes e pequenos nomes que fizeram tanto a história nacional quanto universal.

Primeiro, Oswald põe de ponta cabeça a ideia convencional de organização conforme a sequência do alfabeto. O ABC oswaldiano reflete a verve satírica, provocadora e anárquica de seu autor.

As figuras ilustres que desfilam por suas páginas – muitas delas desconhecidas ou esquecidas aos olhos de hoje – raramente escapam a uma boa vergastada de sua pena inclemente. Quando o conseguem, são alvo de seu humor certeiro e inteligente.

Em alguns “verbetes”, Oswald, contrariando a forma breve do Dicionário, se alonga e não poupa seus objetos, que cobrem um largo expectro: da filosofia à política, passando pela religião e pela história. O melhor exemplo neste caso é o Conde Matarazzo. Em meio à descrição do antigo símbolo de poder econômico da São Paulo abastada, o escritor dispara:

“A polícia protege-o e atira sobre os operários que ele mesmo envenena com os seus produtos falsificados.”

Aqui o humor cede a vez ao crítico de língua afiada. Mas a maior parte dos ditos “verbetes” traz um exemplo acabado da mais fina inteligência. Bem que a ideia do poeta modernista poderia vingar nos dias de hoje. Não faltariam personagens para um Dicionário nesses moldes, no país da piada pronta.

Segue uma pequena amostra dos verbetes oswaldianos.

MUSSOLINI
Macarronada com sangue.

FORD
Criador e experimentador do neologismo “forder-se”, que quer dizer “tomar na cabeça ou em outro qualquer lugar por excesso ou falta de iniciativa”. Nós, por exemplo, estamos “fordidos”.

CABRAL
O culpado de tudo.

LUTERO
Papão dos papas.

HITLER
Bigodinhos de aço.

ADÃO
Primeiro marido de Eva.

EINSTEIN
Passatempo perdido no espaço-tempo.

EPITÁCIO PESSOA
Burguês pequeno.

 

Paulo Lima é editor da revista eletrônica Balaio de Notícias.