Edição 215 - Brasília, 04 de fevereiro a 04 de março de 2018

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Literatura

Literatura como intuição
V. S. Naipaul e a descoberta do mundo

Por Paulo Lima

Foto: Divulgação

V.S. Naipaul: o desejo de ser escritor nasceu na infância

O escritor V.S. Naipaul nasceu em Trinidad, em 1932, uma pequena ilha incrustrada entre a Venezuela e o Caribe. Mudou-se para a Inglaterra em 1950. Lá recebeu os títulos de Doutor honoris causa pelas universidades de Cambridge, Londres, Oxford e Columbia, e de cavaleiro britânico pela rainha Elizabeth II em 1990. Em 2001, venceu o prêmio Nobel de literatura.

De origem hindu, ele cresceu em meio a esse deslocamento geográfico. Desde cedo pôs na cabeça que queria ser escritor.

O pequeno livro Ler e escrever, recém-lançado pela editora Âyiné, reúne dois ensaios de Naipaul e o discurso que ele leu na cerimônia de entrega do Nobel.

Trata-se de uma leitura fascinante. Nela, Naipaul revela os difíceis caminhos que percorreu até concretizar sua fantasia.

Sua condição de colonizado - a ilha de Trinidad era território britânico - o situava num confuso labirinto etnográfico. Ele conta que não conseguia entender a literatura do colonizador, por refletir uma realidade social distante e inapreensível.

Tampouco ele compreendia a dinâmica da ilha, formada por um caldo de culturas em tudo estranhas à percepção do jovem estudante.

"A ilha era pequena, 4,6 mil quilômetros quadrados, meio milhão de pessoas, mas a população era muito variada e havia muitos mundos separados", conta ele.

Foi só quando pôde vencer o que ele define como "zonas de escuridão", ao mergulhar na sua realidade imediata, que Naipaul descobriu a matéria-prima de sua ficção. Para isso, contribuiu a influência das histórias que seu pai, um jornalista, escrevia sobre a dimensão indiana de sua família.

É maravilhoso ouvi-lo descrever esse momento mágico, que ocorre ao fim de sua estadia de quatro anos em Londres, onde estivera para estudar na prestigiosa Oxford, graças a uma bolsa recebida do governo britânico:

"E então um dia, do fundo da depressão em que estava me afundando, comecei a ver qual poderia ser minha matéria-prima: a rua de cuja vida urbana nós nos mantivemos afastados, e a vida no campo antes disso, com os modos e costumes de uma Índia relembrada. Parecia uma solução fácil e óbvia depois de encontrada; mas levei quatro anos para perceber isso."

Posteriormente, a esse universo foi acrescentado o conhecimento da história, do passado, tanto do Caribe quanto da Índia, berço de sua família, obtido através de viagens e pesquisas.

Naipaul se define como um escritor que ouve a intuição, sem planejar. "Foi assim, e continua sendo até agora, quando estou quase no fim. Eu nunca tive um plano, não segui nenhum sistema. Trabalhei de forma intuitiva."

Sua existência de escritor foi ditada por uma necessidade pessoal de saber sua própria história. "Em nenhum livro pude encontrar qualquer coisa que se aproximasse de meu passado."

E é sobre a narrativa desse passado que Naipaul construiu uma das grandes vozes literárias do século 20, em romances como Uma curva no rio, Os mímicos, O massagista místico, Entre os fiéis e Uma casa para o Sr. Biswas.

 

Paulo Lima é editor da revista eletrônica Balaio de Notícias.