Edição 212 - Brasília, 03 de setembro a 01 de outubro de 2017
Crônica
Por Juliano Menezes
Entrei no ônibus. Paguei à cobradora. Ela me perguntou se eu não tinha trocado. Disse que não. Ela me devolveu o troco, cinquenta centavos, com amabilidade. Nem sempre é assim. Dificuldades na roleta podem determinar uma Terceira Guerra Mundial.
Ocupei um banco do lado esquerdo de quem entra, num ângulo em que eu podia observar a cobradora. Aquele cabelo meio louro, numa quase franja. Pensei nela sem aquela farda que retirava a beleza que eu percebia que estava ali.
O ônibus fluía legal.
Foi só durante uma curva que notei. A motorista era uma mulher. Estávamos sob o comando de duas mulheres. O mais comum é uma combinação. Mulher cobrador. Homem motorista. Nunca duas mulheres. Eu pelo menos nunca vi.
Era uma motorista e estava estreando na linha. A cobradora, além de bonita e amável, era boa colega. Orientava a noviça.
- Vá por ali. A preferencial é sua. Agora dobre à direita.
Esqueci a paisagem e o livro que estava lendo, lutando com os solavancos da máquina. Me fixei na motorista. Dava para ver seu antebraço direito em ação. Um antebraço de um braço magro.
Uma lutadora, concluí.
A cobradora mantinha sua rotina. Sem um único traço de tensão no rosto. A franja emoldurando seu rosto suave e bonito.
Estar sendo guiado por uma mulher me deu a impressão de que a viagem estava mais tranquila. O trânsito parecia menos agressivo. Havia um senso de harmonia no ar. Imaginei até que eflúvios circulavam pelo interior do veículo, suavizando um ambiente normalmente envolto em odores mais acres, o cheiro da vida brava.
Eu via o antebraço e parte do cabelo da motorista.
- Agora suba. Siga reta. Dobre à esquerda.
Era a cobradora, um GPS confiável e amigo.
Devo dizer que foi uma viagem muito agradável, tão distinta das outras ocasiões em que precisei tomar o ônibus em horários semelhantes.
Desci no meu ponto e me veio à mente uma palavra que detesto, porque é importada, porque traduz um conceito que tenta enquadrar situações variáveis: empoderamento.
Aquelas duas mulheres eram um sinal de empoderamento. Torci por elas. Eu as admirei. E desejei boa sorte.
Próxima semana farei o mesmo trajeto. Espero reencontrá-las. A cidade deveria ser das mulheres.
Juliano Menezes é estudante de jornalismo.