Edição 209 - Brasília, 22 de janeiro a 19 de fevereiro de 2017

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Jornalismo

Holocausto à moda da casa
Discriminação e morte em Minas Gerais

Por Júlia Lima

Foto: Divulgação

Internas do Hospital Colônia de Barbacena, Minas Gerais

Durante a maior parte do século XX, adultos, idosos e crianças viveram momentos de dor e sofrimento na pequena cidade de Barbacena, Minas Gerais. Dormir em camas de capim, beber água de esgoto e ser submetido a cenas de tortura com direito a choques elétricos eram coisas que faziam parte da rotina dos pacientes que passaram parte da sua vida no maior hospital psiquiátrico do Brasil, o Hospital Colônia.

Esse drama era desconhecido do grande público, até que a jornalista Daniela Arbex pesquisou e escreveu sobre o tema, resultado do livro Holocausto brasileiro, lançado em 2013 pela Geração Editorial e reeditado em 2016.

Jornalista experiente, Daniela Arbex ganhou mais de 20 prêmios nacionais e internacionais, entre eles três prêmios Esso, o americano Knight Internacional Journalism Award (2010) e o prêmio IPYS de melhor Investigação Jornalística da América Latina (2009)

Ela também é autora de Cova 312, seu livro mais recente. Atualmente é repórter do Jornal Tribuna de Minas. Com mais de 250 mil exemplares vendidos no Brasil e em Portugal, o livro Holocausto brasileiro conquistou o segundo lugar no Prêmio Jabuti de 2014 na categoria de livro-reportagem. Em 2016 foi lançado um documentário sobre o tema.

A base de Holocausto brasileiro são os relatos dos sobreviventes do Hospital Colônia, localizado em Barbacena, Minas Gerais. Eles comovem o leitor com detalhes sobre o que aconteceu atrás dos muros do hospital. O genocídio provocou 60 mil mortes.

O título do livro se refere ao massacre que ocorreu na Segunda Guerra Mundial, quando cerca de seis milhões de judeus foram exterminados.

Foto: Divulgação

A jornalista Daniela Arbex, autora do livro Holocausto brasileiro

As condições em que se encontravam os pacientes do Hospital Colônia eram semelhantes aos campos de concentração nazistas. Os hospitalizados chegavam à pequena localidade mineira de vários lugares do Brasil, por meio de trem. Os homens tinham o cabelo raspado. Os pacientes passavam a maior parte do dia no quintal do hospital, em situações de confinamento que lembram as análogas às dos judeus na guerra.

Assim como aconteceu com os judeus, submetidos a toda sorte de injustiça, os pacientes brasileiros eram confinados sem motivo que justificasse a internação. Escreveu Daniela Arbex:

“A estimativa é que 70% dos atendidos não sofressem de doença mental. Apenas eram diferentes ou ameaçavam a ordem pública. Por isso, o Colônia tornou-se destino de desafetos, homossexuais, militantes políticos, mães solteiras, alcóolatras, mendigos, negros, pobres, pessoas sem documentos e todos os tipos de indesejados, inclusive os chamados insanos.”

Era uma realidade brutal, em que as internas se viam forçadas a adotar outra identidade:

“ Sem documentos, muitas pacientes do Colônia eram rebatizadas pelos funcionários. Perdiam o nome de nascimento, sua história original e sua referência, como se tivessem aparecido no mundo sem alguém que a parisse.”

Outro aspecto macabro relevado pelo livro é a indústria de venda de corpos. Entre 1969 e 1980, 1823 cadáveres foram vendidos pelo Colônia para dezessete faculdades de medicina do país.

O tema, desconhecido do grande público e pouco explorado pela imprensa, na época ganhou espaço na revista O Cruzeiro, através de matéria do repórter José Franco, com fotos do fotógrafo Luiz Alfredo. Apesar da gravidade, o assunto permaneceu adormecido.

Hoje, restam menos de duzentos sobreviventes. Sônia Maria da Costa, Antônio Gomes da Silva e Elza Maria do Carmo fazem parte desse número e, no livro, relatam os sofrimentos pelos quais passaram no Hospital Colônia.

Pela história levantada e pela seriedade com que a abordou, o livro de Daniela Arbex pode ser considerado uma das grandes realizações do jornalismo brasileiro.

 

Júlia Lima é estudante de jornalismo do UNICEUB/Brasília.