Edição 208 - Brasília, 24 de dezembro de 2016 a 22 de janeiro de 2017
Ficção
Por Rosane Nicolau
processo
a barata acordou bem
estranha. em frente ao espelho,
viu-se kafka. esperta, valeu-se
da metamorfose e escreveu
um livro.
homem de bens
tornara-se um homem de bens,
fartamente admirado por
dedicar-se a boas ações. todas
elas de grandes empresas.
nouveau riche
comprou a mansão e contratou
um renomado arquiteto. lus-
tres brilhavam por toda a casa.
falta apenas lustre ao ilustre.
complexo de papagaio
repete, repete palavras, frases
inteiras. dos jornais, da tv,
tudo o que ouve, tudo o que lê,
repete para não pensar.
hábito de leitura
o muçulmano converteu-se
ao cristianismo. mas
as orações diárias e o estudo da
bíblia continuaram de trás
para frente.
pós-lifting
o tronco e os membros são
humanos, apenas o rosto é
photoshop.
humanidade do sem
vivem sem lactose, sem glúten,
sem gordura, sem cafeína,
sem gordura, sem açúcar, sem afeto. e seguem
saudáveis, insossos.
dorminhoco
acordei com a sensação de não
ter dormido. estava com muito
sono. lembrei-me de que
sonhei com a insônia.
em terapia
estou desnorteada, disse a
emoção. e eu fatigada, con-
trapôs a razão.
achados e perdidos
encontravam-se no mundo
virtual. no mundo real,
perdiam-se no banco do carro.
Rosane Nicolau é escritora. Os microcontos acima foram retirados de seu novo livro para não dizer que ficou sem título, Editora Jaguatirica, 2016.