Edição 207 - Brasília, 16 de outubro a 13 de novembro de 2016

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Fotografia

Cuba ontem e hoje
Fotógrafo revisita a ilha 30 anos depois

Por Jari da Rocha

Fotos: Luiz Eduardo Achutti

Achutti voltou a Cuba para refazer fotos tiradas há 30 anos

Voltar à ilha e refazer as mesmas fotos de 30 anos, este é o projeto que Luiz Eduardo Achutti havia iniciado em 1986. Agora, retomado, conta com a passagem do tempo e com sua narrativa fotográfica. Fotógrafo há 40 anos, Achutti é doutor em antropologia pela da Universidade de Paris 7 Denis – Diderot e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Autor de vários livros, começou sua carreira profissional no Coojornal em Porto Alegre. Em 1981, fotografou Elis Regina quando ela fez seu último show em Porto Alegre “Trem Azul”. Acompanhou o artista plástico Iberê Camargo em seu último ano de vida, trabalho que rendeu exposição e o livro Iberê Camargo por Achutti, de 2004. Também documentou a feitura, criação do nascimento de “Um Guerreiro”, o maior de todos (3,35 metros de altura) que hoje mora no Margs, do escultor Xico Stockinger, cujo resultado foi a publicação do livro A Matéria Encantada – Xico Stockinger, de 2008. Em 2011 uma exposição na UFRGS homenageou os 35 anos do fotógrafo, quando foi lançado o livro Projeto Percurso do Artista: Achutti.

Incansável, Achutti segue narrando através da fotografia. Sua tese sobre a Fotoetnografia (a Fotografia como forma narrativa visual para discorrer sobre assuntos do campo antropológico) é a sua prática de trabalho. Seu mais recente trabalho pode ser visto no livro “Guaíba”, de 2014. A trajetória e o currículo variado de Achutti impressionaram o escritor Millôr Fernandes, depois de ter sido fotografado vestindo um falso fardão da Academia Brasileira de Letras, feita pelo fotógrafo nos bastidores de um show humorístico no Theatro São Pedro. “Talvez aqui esteja representada uma parte, pequena, do que é um grande fotógrafo. (…) Não há grande fotógrafo sem uma segura base cultural”, disse então Millôr.

Em entrevista, Achutti, que fará parte do novo documentário de Silvio Tendler, “Sonhos interrompidos”, fala da experiência de suas viagens a Cuba e dos registros fotográficos comparativos que realizou por ocasião de sua estada mais recente na ilha.

A Praça da Catedral, em 1986 e revisitada agora por Achutti, em 2016


Nasci no dia 4 de janeiro de 1959. Comecei a fotografar em 1975 quando fiz o curso do Foto Cine Clube Gaúcho de Porto Alegre. Sempre tive dois sonhos, conhecer Cuba e Paris. Eu desde muito jovem me identificava com o PCB que estava nessa época na moita do MDB que deu nesse antro de golpistas hoje. Era o governo Sarney e começavam a surgir notícias sobre o possível reatamento das relações do Brasil com Cuba.

Eu pensava que deveria ir ainda antes do reatamento, pois depois qualquer jagunço iria para lá comprar charutos e falar mal de Cuba. Iria virar moda. Me preparei e fui fazer o começo do meu projeto que era fotografar o mundo socialista. Cuba em 86, Nicarágua em 88 e Alemanha (DDR) em 89. Logo após a derrubada do Muro, com o fim do Socialismo Real deu-se o fim daquele meu projeto.

Cuba de 1986 era estável, bastante fechada, mas sem crise. Foi nessa época que fizeram a opção pelo turismo. Lembro também que o contato dos cubanos com os estrangeiros era vigiado para que não se desse a possibilidade de morar na casa de um cubano e até beber na rua com ele. Era uma situação de muito risco, podia resultar em punição principalmente para o cubano.

Revisitar Cuba

Foi muito importante para mim, pois fui me visitar trinta anos depois. Acho que todos os homens velhos fazem isso, o tempo vai encurtando e o cara cada vez mais querendo se conhecer por medo do tempo que se esvai.

Encontrei uma Havana muito diferente, cheia de lojas e bares, cheia de portas abertas, entradas das casas, em que se vendem bugigangas para os turistas. Feiras de ruas para vendas de velharias ou livros, pôster, fotos, gravuras. Há lugares, determinadas ruas que são iguais as da Europa: infestadas de turismo e de comércio turístico, digamos assim. Há mesmo alguns fantasiados de cubanos e cubanas com roupas fake fumando charutos ali prontos para serem fotografados em troca de Euros ou CUCs que é a moeda do turista com o valor do Euro.

Já se vão cinquenta e sete anos de espera por parte de muitos da população, para terem mais do que o básico do básico. Um pãozinho é dado de graça a todos. Se tiverem dinheiro podem comprar mais. Não acredito em fome por lá, mas muitas dificuldades passam sim, sobretudo aqueles que não estão de alguma maneira na esfera ou satélites do mundo do turismo. Uma guria chegou a me dizer que o turismo em Cuba acaba por repor uma divisão de classes que tinha sido o mote da Revolução acabar (com as divisões de classes).

Havana vista do Hotel Havana Livre. A invasão americana na ilha


Fala-se que em dois meses seis companhias aéreas voarão dos Estados Unidos para Cuba além de uma embarcação. Será a verdadeira invasão depois da Baía dos Porcos. Havana tem 1,5 milhões de habitantes e outro tanto de cubanos mora na Flórida. Além disso, a classe média americana toda poderá querer fazer essa viagem tão curta e de certa forma barata, aí sim pode baixar o espírito Disney da pobreza e dos resquícios coloniais. Na semana passada, Centro Havana estava tomada por turistas de todas as partes do mundo sem os americanos, agora nem posso imaginar no que vai dar. Turistas de modo geral são uma espécie de praga, poluem onde andam em vários sentidos. Pobre Ilha pobre.

Fotografar Cuba

Em 1986 significava descobrir-se fotógrafo, conhecer, chegar perto da Utopia Socialista, significava também depor sobre Cuba, dar a conhecer um outro mundo talvez possível que sofria constantemente ataques e boicotes vindo do Império Capitalista, dos senhores das armas, dos bancos e das guerras contra uma Ilha que tentava ajudar ao mundo. Uma Ilha que foi certamente usada pelo bloco Comunista como forma de propaganda e provocação anti-capitalismo, por isso sustentada pela URSS e Alemanha DDR.

Hoje, em 2016, fotografar Cuba significa autoconhecimento do fotógrafo, mas também reverenciar a memória de um passado quase recente. Significa mais ainda se solidarizar com uma causa talvez perdida. Sim, fotografar Cuba é diferente no mínimo pelo fato da violência e crimes zero se poder, mesmo nos lugares mais precários do centro da cidade, ter tranquilidade, pois sem medo de ser assaltado. Também certo grau de ruínas dos prédios somados as cores específicas de Cuba que são especiais e únicas.

Desta vez morei na casa de uma senhora do interior, que veio cuidar a casa do irmão médico que foi trabalhar na Espanha. Faz muita diferença não ser de um hotel o ponto de vista de se olhar a cidade, mas do âmago dela. Percebi um receio que eles têm no momento de passarem por outra crise tipo a do princípio dos anos 90, quando perderam o apoio da União Soviética.

Cuba eternamente dependente, há anos contava com a ajuda da Venezuela e do Brasil. Atualmente o mundo em crise, as commodities com preços em baixa, a Venezuela quebrada e o Brasil golpeado anunciam mais uma grave crise em Cuba. Crise que somada à ocupação turística e o inexorável desfile dos euros e dólares em meio às centenas de milhares de pessoas que na sucessão dos dias e dos anos se veem despossuídas pintará um quadro futuro muito duro.

Mais imagens dos olhares de Achutti sobre Cuba, em 1986 e agora (Veja aqui a galeria completa).

 La Bodeguita del Medio

Plaza de Armas

 

 Fundos do Hotel Plaza

"Calle" Obispo 

Vista do hotel Havana Livre

 

Os carros históricos. O primeiro mais antigo (esq.) era de levar noivos. O atual, mesmo ano, é de táxi.

 

 

Jari da Rocha é jornalista. Texto originalmente publicado na Revista Sul21.