Edição 201 - Aracaju, 13 de setembro a 11 de outubro de 2015

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Literatura

Viagens montellianas - parte 1
Uma odisseia pelo universo de Josué Montello

Por Reginaldo de Jesus

Foto: Divulgação

Casa de Cultura Josué Montello em São Luís

 

De minha janela, em São Luís, no pequeno apartamento em que me isolo para trabalhar, na casa de cultura que tem meu nome por generosidade de meus conterrâneos, posso ver o sol quando nasce e quando se recolhe. […] É natural que, longe daqui, tenha saudade do canto de trabalho que minha terra me deu. O melhor de minhas saudades mora neste lugar. (Diário da madrugada, de Josué Montello, 10 de novembro de 1990).


Viagem à Atenas Brasileira

No dia 5 de maio de 2015 fui a São Luís do Maranhão para realizar parte de uma longa viagem, uma verdadeira odisseia que venho vivendo ao redor da vida e da obra de um dos meus ídolos da literatura brasileira, o escritor maranhense Josué Montello.

Foi a primeira vez que eu pus meus pés na Atenas Brasileira com o fito de conhecer a Casa de Cultura Josué Montello e de conferir in loco os cenários dos romances montellianos que compõem a denominada saga maranhense, além, é claro, dos logradouros relacionados à vida do autor.

Em duas páginas de seu Diário da Tarde, Montello reconhece que “São Luís foi construída para que ali chegássemos, ou que dali partíssemos – pelo mar.” E diz mais: “O avião, se não matou de todo a beleza da chegada a São Luís, tirou muito de seus encantos. Porque a capital maranhense não nasceu para ser olhada do alto, com o traçado de suas ruas tortas e os seus telhados escuros. Nem tampouco para ser surpreendida por terra. Do mar, sim, é que devemos contemplá-la.”

Pude comprovar a verdade dessas palavras do autor de Os degraus do paraíso quando fui conhecer Alcântara, saindo de barco do Cais da Praia Grande, em São Luís, próximo ao antigo Cais da Sagração. É realmente deslumbrante a vista da velha São Luís que vai ficando para trás ou que vai se aproximando, a depender de se estar saindo ou chegando à cidade.

Infelizmente, cheguei de avião à Ilha do Amor. Já a partir de meu voo de Aracaju para Fortaleza, com escala em Recife, fui saudado por outro ídolo: Tom Jobim, acompanhado de sua Banda Nova, ao vivo, no Festival Internacional de Jazz de Montreal, em 1986. O avião ainda se encontrava em solo aracajuano quando ouço, por seu sistema de som, o internacionalmente famoso “Samba de uma nota só”, na versão do bis do mencionado show.

Nessa versão, Jobim improvisa sobre sua própria canção e a começa com os consagrados versos do poeta romântico maranhense Gonçalves Dias: “Minha terra tem palmeiras/ onde canta o Sabiá” e é secundado pelo coro de sua banda: “As aves, que aqui gorjeiam/ Não gorjeiam como lá”.

Sem dúvida, para mim, era uma forma de o Maranhão me dar as boas-vindas já na saída de minha amada Aracaju. E esta homenagem casual não ficou por aí. No voo de Fortaleza para São Luís, tornei a ouvir este trecho improvisado do “Samba de uma nota só”, e o que é melhor: na ilha. Que emoção!

Se não houvesse as famosas boas-vindas, através da estralada dos bem-te-vis, tão propaladas por Montello em seus diários e em todos os seus romances maranhenses, eu já poderia me dar por contemplado pelo canto do sabiá nos versos do poeta da “Canção do exílio”, no improviso do Maestro Soberano.

Procura imediata pela CCJM

Em São Luís, assim que me instalei na Rua da Palma, nas adjacências da Praia Grande, no Centro Histórico, uma das ruas citadas na maioria dos romances montellianos de temática maranhense, fui imediatamente à procura de outra rua mencionada nalguns destes romances, a Rua das Hortas, endereço da Casa de Cultura Josué Montello, desde 1990. Antes, porém, seu primeiro endereço ficava na Rua do Ribeirão, no Largo do Ribeirão.

Foto: Reginaldo de Jesus

O autor na Rua do Coqueiro, lateral da CCJM

Nunca me esquecerei da decepção de avistar a frente da CCJM precedida de um tapume e com placa indicativa de restauração. Meus olhos não acreditavam no que viam. Esperei muito tempo para conhecer a balzaquiana Casa de Cultura e usufruir de parte de seu acervo colossal. Quando finalmente estava lá, eis que me dei conta de que nada disso aconteceria.

Mesmo assim, abordei uma bela jovem que saía da Casa, a estagiária Amanda Silva, responsável pela higienização, organização e catalogação das peças do acervo para o Museu Josué Montello, que está sendo montado num dos espaços da Casa. Apresentei-me a ela e lhe disse o que vinha fazer ali. Amanda sugeriu que eu voltasse no dia seguinte e pedisse para falar com Joseane, diretora da CCJM há oito anos.

Foto: Reginaldo de Jesus (feita na CCJM)

Amanda higienizando uma das medalhas de Montello

Recepção calorosa na CCJM

No dia seguinte, voltei à CCJM e fui muito bem recebido por sua diretora, Joseane Maria de Souza e Souza, que não só abriu as portas da Casa para mim, mas também me franqueou acesso à parte do acervo pessoal do escritor, além de me presentear com os livros Areia do tempo, obra póstuma de Montello, organizada por Dona Yvonne Montello, sua viúva, Leituras críticas de romances de Josué Montello, e mais uns livretos da Casa de Cultura.

Joseane fez ainda mais por mim, ao me dar o número de telefone de D. Yvonne Montello e ao me incentivar a ligar para ela. Admito que fiquei ao mesmo tempo eufórico e receoso com esta possibilidade, todavia Joseane me tranquilizou afirmando que D. Yvonne é uma pessoa muito receptiva, gentil e atenciosa.

Como eu passaria uma semana de férias no Rio de Janeiro, ainda no mês de maio, seria a oportunidade perfeita para tentar um encontro com a viúva e guardiã da memória de Josué Montello, em seu apartamento na Avenida Atlântica, em Copacabana. Entretanto, esta é uma história que contarei noutra oportunidade.

Por enquanto, fiquemos com Joseane me apresentando a José Soares Miranda, o mais antigo funcionário da CCJM. Soares, como é mais conhecido, está na Casa de Cultura desde o ano de sua fundação. Logo percebi que ele a vê como a extensão de seu próprio lar, tamanho é o amor e a dedicação que tem por ela.

Foto: Reginaldo de Jesus

O autor e Soares na CCJM

Josué Montello depositava em Soares toda a sua confiança e o seu carinho. Telefonava-lhe, antes de embarcar para São Luís, para lhe solicitar a colheita de uns abricós do abricozeiro da Casa, que não existe mais.

Soares me contou que o abricozeiro centenário veio ao chão no dia 15 de março de 2007, exatamente um ano depois do passamento de Montello. É evidente que o escritor teria lamentado bastante a perda de seu abricozeiro de cuja presença marcante na Casa deixa o seguinte registro em seu Diário da madrugada, numa de suas estadas em São Luís, com data de 10 de novembro de 1990:

“À minha frente, uma folhuda árvore centenária costuma quebrar-me as telhas do beiral, deixando cair sobre elas os seus frutos maduros, por entre os safanões da ventania. De manhã, quando os recolho, esses frutos têm à sua volta as sobras das telhas desbeiçadas. Junto os abricós caídos, mando limpar o chão, e trato de afastar-me dali , antes que a velha árvore se distraia comigo, quebrando-me também a cabeça, já que há outros abricós, nos galhos carregados.”

Mas não nos enganemos. Josué Montello sabia bem que a queda de seu abricozeiro apenas obedecia a uma lei natural da vida. Basta conferir o que ele diz sobre a morte de uma palmeira centenária, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro: “Como a vida é uma caminhada para a morte, nada mais natural que morram também as palmeiras de cem anos.” (Diário da tarde, 1º de novembro de 1965).

E por falar em palmeiras, Soares me disse que Josué plantou as quatro palmeirinhas que ainda estão de pé em frente aos sobrados geminados, primeiro endereço da CCJM, no Largo do Ribeirão. É evidente que fui conferir a existência destas palmeiras e, por extensão, a dos sobrados que guardaram, por sete anos, parte da monumental biblioteca doada por Montello à Casa de Cultura.

Outra funcionária muito especial da Casa, Wanda França de Sousa, também me foi apresentada por Joseane. Wanda é bibliotecária e até dezembro passado exercia a função de encarregada do apoio técnico.

No momento, ela também coordena o projeto de criação e organização do espaço museológico da CCJM (Museu Josué Montello), que ocupará as dependências onde ficava o apartamento de Josué e Dona Yvonne, na parte superior da Casa de Cultura e o salão de exposição no térreo, na frente da Casa, onde há um mezanino.

Wanda é também uma das funcionárias mais antigas da CCJM. Seu primeiro dia de trabalho, por alguma razão superior, deu-se exatamente no dia 21 de agosto de 1992, data do aniversário dos 75 anos do escritor. Josué comemorou este e mais alguns aniversários na Casa.

Se Joseane queria me deixar em boas mãos, enquanto resolvia pendências da reforma da Casa, fiquei muito bem aos cuidados de Wanda França. Ela fez, perfeitamente, as honras da casa. Não houve um só dia em que estive na CCJM para não receber toda a sua atenção.

Foto: Reginaldo de Jesus

O autor com Joseane (direita) e Wanda (esquerda) na CCJM

Wanda me falava dos romances de Montello com a empolgação de uma adolescente apaixonada. Proporcionou-me horas deleitosas de vídeos de Josué e ainda me brindou com os livros Fachada de azulejos, Janela de mirantes, Um apartamento no céu, além dos livretos “Discurso de posse na ABL” e “Como presidi a Academia”, todos da autoria de Montello. Também me deu Catálogo de publicações editadas no Maranhão e Fonte de pesquisa para a história do Maranhão.

Como se não bastasse toda a dedicação de Wanda para que eu usufruísse ao máximo daquilo que a Casa de Cultura, em fim de reforma, pudesse me oferecer, abusei um pouco mais dela, pedindo-lhe para ver, ao menos, o livro Les Confessions, de Rousseau, na edição da Pléiade, que Montello descobrira por volta de 1950, lia-o todo ano e confessara que o leria até seus últimos dias.

No entanto, os livros do acervo da Casa estavam quase todos encaixotados. Seria praticamente impossível achar Les Confessions num oceano de livros que ainda não estavam em suas devidas prateleiras.

Assim mesmo, a incansável Wanda abriu umas caixas que se encontravam em sua sala e nelas não achou Les Confessions, mas outro livro muito lido e citado por Josué Montello em seus diários: Memórias, de Raul Brandão. Que felicidade!

Imediatamente, compulsei o volume 1 das Memórias e facilmente achei os vestígios, em lápis vermelho, das várias leituras de seu dono. Foi inefável o instante em que, casualmente, abri este livro numa página citada por Montello, em seu Diário do entardecer, com a data de 10 de dezembro de 1973, a respeito da fascinação pela obra de Camilo Castelo Branco em Portugal.

Foto: Reginaldo de Jesus

Traços de Montello nas "Memórias", acervo da CCJM

Wanda também me conduziu ao espaço destinado ao Museu Josué Montello. Eu tinha a consciência de estar no lugar mais sagrado da Casa, pois neste espaço, já transformado pela reforma, ficava o apartamento onde Josué e D. Yvonne se hospedavam quando vinham a São Luís. Sem deixar de mencionar que ele escreveu muitas páginas de romances nesse apartamento.

Lá, pude ver algumas das relíquias do escritor que comporão o museu, como seu fardão e sua espada da Academia Brasileira de Letras, seu busto, obra de Sócrates Schnoor, alguns quadros que representam cenários de seus romances, o Troféu Juca Pato, as cadeiras de palhinha do casal Montello.

Wanda me disse que o projeto de reforma do apartamento, originalmente, foi feito para abrigar o Arquivo Yvonne Montello, a pedido de Josué, mantendo-se intacta somente a sala de visitas. Contudo, após aquisição dos arquivos deslizantes e a transferência do grande acervo documental para essas novas dependências, a Superintendência de Patrimônio e Cultura do Estado do Maranhão desaconselhou a viabilidade desse projeto, com a alegação de que o excesso de peso dos equipamentos afetaria a estrutura física do apartamento.

Com a elaboração do projeto do Museu, decidiu-se transferir o acervo museológico para o apartamento e para o salão de exposição que fica no térreo da casa. Dona Yvonne gostou da ideia, apoiou o projeto e ficou muito feliz com a iniciativa.

Outro momento especial de minhas visitas à CCJM, sem dúvida, foi quando Wanda me apresentou a Izabel Cardoso. Izabel está na Casa há 25 anos. A primeira boa impressão que tive sobre ela foi sua compenetração no trabalho e sua habilidade para realizá-lo.

Izabel e sua equipe são responsáveis pela higienização, recuperação e organização do arquivo pessoal de Josué Montello, a saber, correspondências recebidas e enviadas pelo escritor, periódicos em artigos de jornais, toda a sua documentação pessoal, os manuscritos de suas obras publicadas e não publicadas, estas mesmas obras datilografadas, fotografias.

Foto: Reginaldo de Jesus

O autor na CCJM com Izabel e sua equipe

Um dos meus objetivos ao visitar a CCJM era ver alguns manuscritos dos romances de Montello. Izabel deixou-me bastante à vontade para compulsar os manuscritos de Os tambores de São Luís e A coroa de areia, bem como me proporcionou muita emoção com as dezenas de álbuns de fotografias de Montello, organizados por D. Yvonne, ao longo do tempo.

A propósito, Izabel me levou à sala denominada Arquivo Yvonne Montello, cujo equipamento é o arquivo deslizante, ou seja, o que existe de mais moderno na área. Este tipo de material foi adquirido com o recurso do projeto viabilizado pela FAPEMA (Fundação de Amparo à Pesquisa e Desenvolvimento Científico do Maranhão).

Enfim, pude perceber que a Casa de Cultura Josué Montello está em excelentes mãos. Seus funcionários, incluindo aqui a estagiária Amanda Silva, amam o que fazem e, sobretudo, amam Josué Montello. Eles me fizeram crer que a CCJM nunca fecha, nem quando em reforma, para aqueles que realmente se devotam à vida e obra do mais famoso escritor maranhense da contemporaneidade.

Foto: Reginaldo de Jesus

O autor, Izabel, Wanda e Soares na CCJM

CCJM: uma homenagem muito justa

Josué Montello recebeu, em vida, com os devidos méritos, as maiores homenagens que um escritor poderia almejar. Não bastassem as centenas de medalhas, de diplomas, de títulos, os vários prêmios e troféus ganhos em sua trajetória de vida literária e pública, Montello ainda emprestou seu nome a escolas, bibliotecas, ruas, a uma fundação cultural, à dependência de hospital, ao Salão Nobre da Academia Maranhense de Letras, etc.

Urge acrescentar que essas homenagens vieram de diversas partes do Brasil e do exterior e nunca foram requestadas pelo homenageado. No entanto, a homenagem por excelência, a cereja do bolo, foi-lhe oferecida pelo Maranhão: a criação da Casa de Cultura Josué Montello.

A Casa de Cultura fora fundada em São Luís, no Largo do Ribeirão, em 23 de janeiro de 1983, data simbólica escolhida por Montello para homenagear a ilustre aniversariante, sua amantíssima esposa, D.Yvonne Montello, e também seu dileto amigo e confrade da Academia Brasileira de Letras, o escritor maranhense Viriato Corrêa, que faria cem anos nessa data.

Foto: Reginaldo de Jesus
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Sobrados geminados: primeiro endereço da CCJM

Num país como o Brasil, este tipo de homenagem pode soar excessivo ou mesmo fruto da bajulação do homenageado. Não foi à toa que o escritor Jorge Amado, grande amigo de Montello, e que na ocasião ainda não tinha recebido homenagem similar da Bahia, numa visita à Casa de Cultura, três dias antes de sua inauguração, fez o seguinte reparo: “Não se esqueça de que você vai encontrar pela frente a inveja alheia”.

Jorge Amado ainda acrescentou: “O Tom Jobim costuma dizer que, no Brasil, o triunfo é insulto pessoal.” Mas Josué, que não era nada bobo, sabia que seu confrade na Academia falava uma verdade. Munindo-se sempre de seu trabalho, tinha numa parede da Casa, em destaque, uma figa necessária para premunir o mau olhado.

Quem quiser ajuizar o quanto Josué Montello é merecedor da Casa de Cultura de que é patrono, precisará ler seu discurso de inauguração da Casa ou compulsar páginas de seus Diário da noite iluminada, Diário de minhas vigílias e Diário da madrugada que registram, desde o momento em que Montello envia um telegrama de agradecimento ao governador do Maranhão, João Castelo, no dia 3 de junho de 1979, pela honrosa homenagem, até o instante em que ele prepara uma nova remessa de livros para a CCJM, em de 27 de setembro de 1994.

Quando foi comunicado da decisão de João Castelo, Montello ficou naturalmente tomado de emoção, agradeceu o gesto do governador e, com sua simplicidade, questionou-se se realmente era merecedor de tal honraria. Acabou chegando à conclusão de que “esta homenagem, se é excessiva para quem a recebe, não o é para quem a promove. Ou, por outras palavras: quanto mais imerecida, melhor, porque torna mais evidente a generosidade de quem a promove”.

Modéstia à parte, Josué Montello sabia muito bem que este novo triunfo em sua vida de escritor viera coroar tudo aquilo que ele já havia feito pelo Maranhão, tanto no plano estritamente literário quanto no plano cultural, de um modo geral. Não nos esqueçamos de que Montello realizou “a obra mais extensa que o Maranhão inspirou a um de seus filhos”.

Romances como Cais da Sagração e Os tambores de São Luís, por exemplo, levaram o Maranhão para o mundo inteiro. De seus vinte e seis romances publicados, quinze compõem os azulejos romanescos de seu mural maranhense. Sem contar os estudos realizados sobre as obras de seus predecessores Gonçalves Dias, Arthur Azevedo e Aluísio Azevedo, além das inúmeras referências em seus romances, em seu Diário completo e em suas crônicas, a seus contemporâneos, também escritores maranhenses.

Só para citar algumas de suas contribuições no campo cultural, em sua província, Montello ajudou a fundar a Universidade Federal do Maranhão e foi seu terceiro reitor, com a missão de dirimir uma tremenda crise vivida por essa universidade. Neste cargo, criou uma cadeira de estudos gonçalvinos, comprou e restaurou o solar Cristo Rei, no Largo dos Remédios, e fez dele a Reitoria da UFMA.

Transformou um pardieiro num dos mais belos palácios de São Luís e ainda conseguiu seu tombamento. Um outro patrimônio tombado pelos esforços de Montello foi a Academia Maranhense de Letras, ameaçada de demolição para construção de um espigão. Ainda enquanto reitor, organizou e fundou o Museu Histórico e Artístico do Maranhão.

Se há alguma dúvida de que Montello merecia a homenagem de uma casa de cultura com seu nome, basta mesmo que se diga que ele só a aceitou, na condição de ser o principal doador da biblioteca da Casa. Como ele mesmo disse: “Não estou dando este acervo, estou entregando. Na verdade, meus livros, minhas condecorações, meus diplomas, meus pequenos troféus, eu os conquistei, dia a dia, porfiadamente, não por mim, mas para o Maranhão.”

Tendo em vista essa atitude de Josué Montello, fica evidente que ele homenageia enquanto é homenageado. Sua vasta e riquíssima biblioteca é resultado de décadas de estudo e de trabalho. Desde sua saída de São Luís para a conquista de seu lugar como escritor nas letras nacionais e também internacionais, Montello adquiriu em suas buquinagens, por livrarias e sebos, principalmente do Rio e da Europa, uma biblioteca invejável. Favoreceu-lhe o fato de ser leitor assíduo dos velhos e dos novos escritores.

E agora, Montello abre mão de sua amada biblioteca em prol da Casa de Cultura. Com este gesto, ele faz mais uma tremenda declaração de amor ao Maranhão, ratificada numa de suas páginas de reminiscências: “Quando adolescente, em São Luís, vivíamos a angústia de querer ler e estudar, sem que houvesse os livros indispensáveis, em nossa Biblioteca Pública. Esses livros passam a ser encontrados, agora, na Casa de Cultura Josué Montello, para leitura e consulta ali mesmo”.

Foto: Reginaldo de Jesus

Josué Montello e um grupo de alunos na CCJM (reprodução)

No entanto, o patrono da Casa queria mais para ela: “Minha intenção é que esta Casa de Cultura seja o local de altos debates intelectuais, com a presença de mestres para pequenos grupos, trabalhos de seminário, simpósios, cursos, atos comemorativos. […] Ao mesmo tempo pretendo que daqui partam as grandes pesquisas que interessam ao Maranhão no plano social, histórico, científico, folclórico, literário.”

Sempre que ia a São Luís, Josué trocava o conforto de um hotel pela simplicidade e aconchego do pequeno apartamento na CCJM. E isso aconteceu nos dois endereços da Casa. Lá, ele encontrava a paz de que necessitava para continuar escrevendo sua obra romanesca. Lá, ele terminou de escrever o romance Uma varanda sobre o silêncio, começou O baile da despedida e escreveu, em uma semana, um romance infanto-juvenil, O carrasco que era santo.

Em Um beiral para os bemtevis, Montello, através da voz de seu narrador, faz a seguinte referência à Casa, ainda em seu antigo endereço: “O mesmo grupinho que se reúne, aos sábados, naquele bar do Largo do Ribeirão, ao lado da Casa de Cultura, e fica ali até tarde, bebericando e tocando violão.” Nesta época, um de seus sonhos era ver a transformação do Largo do Ribeirão num dos centros intelectuais da cidade.

Assim que a Casa de Cultura mudou-se para a Rua das Hortas, Montello escreveu: “Quando eu era menino, olhava este solar, estas janelas, estes muros, e me intimidava com o que via e ouvia. […] E a casa a que eu, menino pobre, e tímido, não tive acesso, é hoje a Casa de Cultura Josué Montello.” (Diário de minhas vigílias, 29 de março de 1990)

Realmente Montello tinha todos os motivos para se orgulhar de sua Casa de Cultura. E o Maranhão precisa cuidar sempre dela, para que continue sendo uma exceção, num país que ainda não sabe ser guardião de seus valores artísticos e culturais. Não fosse por Zélia Gattai, antes de a Fundação Casa de Jorge Amado se tornar uma realidade, a Bahia teria perdido o acervo do escritor para instituições de outros lugares do Brasil ou do exterior.

 

Reginaldo de Jesus é professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira no IFS - Campus São Cristóvão. Contato: [email protected]