Edição 200 - Aracaju, 16 de agosto a 13 de setembro de 2015
Música
Por Paulo Lima
Foto: Divulgação
Adriana Calcanhotto no show Loucura, em que canta Lupicínio Rodrigues
Lupicínio Rodrigues, que já foi de Gal Costa, que já foi de Elza Soares e de tantos outros intérpretes, agora é de Adriana Calcanhotto. A música do genial compositor gaúcho é o tema do CD/DVD Loucura, novo trabalho da cantora.
O bom artista faz a releitura de uma obra e nela imprime sua marca. Também gaúcha, Adriana canta Lupicínio conservando o estilo pré-bossanovista do compositor, o tom contido e a carga dramática e poética de seu universo, suas dores de amores, mas é ela que ouvimos, com sua voz doce, um quase acalanto, escandindo e modulando o fraseado das letras das canções, uma característica só dela.
Acompanhada por uma cozinha de luxo que incluiu Artur Nestrovski no violão, Cid Campos no dobro, Jessé Sadoc no trompete, Alberto Continentino no contrabaixo, entre outros músicos, ela fez um único show em Porto Alegre para registro do CD/DVD. De clássicos como Felicidade à tocante Ela disse-me assim, está tudo lá, com a graça, leveza e extremo bom gosto de Adriana Calcanhotto.
A exemplo de projetos anteriores, como o delicioso O micróbio do samba, nesse novo espetáculo Adriana se vale de uma mise-en-scène teatral, utilizando criativamente outras linguagens. Veste-se de malandro a rigor, num cenário rústico de botequim – ou de bordel, se se preferir –, numa alusão à atmosfera não apenas musical de Lupicínio, mas a seu estilo de vida de mulherengo incorrigível, sujeito a histórias rocambolescas de dor de cotovelo que nutriram sua criação artística, pra nossa sorte.
A qualidade poética das letras de Lupicínio é algo notável, tendo despertado a admiração de criadores como Augusto de Campos. Versos como os de Ela disse-me assim, uma de suas músicas mais conhecidas, impressionam e são uma pequena joia para olhos e ouvidos, flanando com tranquilidade entre os limites tão discutidos de letra de música e poesia. Ela disse-me assim:/"Tenha pena de mim. Vá embora!/Ele pode chegar/vais me prejudicar./Tá na hora.”
E o que dizer de versos como os de Felicidade, com um alto grau de elaboração, escritos porém por um compositor sem cultura livresca ou poética? O pensamento parece uma coisa à toa/mas como é que a gente voa/quando começa a pensar.
Adriana é uma letrista de mão cheia, com uma antena sensível à nossa melhor produção poética, sendo parceira e amiga de alguns de nossos grandes bardos. Não à toa, organizou duas antologias de poesia. Registrou ainda o relato de sua turnê a Portugal, em 2008, no livro Saga Lusa.
Cantar Lupicínio chegou como um convite a Adriana, mas era como se a parceria entre os dois já tivesse sido desenhada há muito tempo. Ela topou o desafio, cercou-se do que melhor poderia ter e cumpriu a missão com perfeição.
Palmas para Adriana Calcanhotto.