Edição 199 - Aracaju, 19 de julho a 16 de agosto de 2015

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Fotografia

As faces do mundo
O olhar do fotógrafo Ricardo Beliel

Por Romildo Guerrante

Foto: Romildo Guerrante

O fotógrafo Ricardo Beliel (à esquerda), durante a exposição em seu estúdio em Santa Teresa

 

Ricardo Beliel, que já fez mais de 90 exposições de seus trabalhos no Brasil e no exterior, acaba de fechar mais uma dessas expressivas mostras em seu estúdio de Santa Teresa, no Rio de Janeiro. Mas nem bem fechou essa, “Janelas abertas do outro lado do tempo”, na Casa Amarela da Rua Hermenegildo de Barros, e já está presente na França, na cidadezinha de Guilvinec, onde teve início no final de maio e vai até setembro a 5ª edição do festival de fotografia local, que este ano tem como tema “O homem e o mar”. Para essa exposição, Beliel embarcou numa precária jangada de pescadores no Ceará e passou uma semana no mar aberto, a 40km da costa. Suas fotos estão nos muros e praças de Guilvinec, uma exposição aberta permanentemente para quem passa pela cidade.

Antes de dedicar-se à fotografia, que é sua grande paixão, Beliel foi ilustrador, fazia histórias em quadrinhos, desenhava muito bem. E fotografava artistas e seus shows, Gilberto Gil e Caetano entre eles. Mas não estava muito satisfeito com isso. Queria ter participação maior, mais ação política, queria ser fotojornalista. Por indicação do pai, que era jornalista, foi ao jornal O Globo, no início de 1976, pedir emprego ao chefe da redação na época, Evandro Carlos de Andrade. Chegou lá cabeludo e barbudo, numa redação em que, naqueles tempos, todo mundo trabalhava de gravata. Mas foi contratado e iniciou então uma vertiginosa carreira que o levou a atuar em diversas publicações no Brasil e também agências e revistas no exterior.

Foto: Ricardo Beliel

Jangadeiros cearenses

Beliel retrata com muita acuidade os rostos de seus personagens, os olhares, os hábitos, produzindo imagens que são como telas de uma realidade que ele enxerga muito bem, aqui e lá fora. Profundo conhecedor da Amazônia, participou em 1997, a serviço da Editora Abril, da expedição promovida pela Funai, sob o comando do sertanista Sidney Possuelo, para fazer o primeiro contato com os índios Korubo, tribo isolada e tida como violenta. Seis funcionários da Funai já haviam sido assassinados por essa tribo, em permanente conflito com madeireiros no Vale do Javari.

Beliel voltou de lá com matéria que acabou indicada ao Prêmio Esso. E lhe deram um dos dois Prêmios Abril de Jornalismo que ganhou em dois anos sucessivos. Sem contar que foi finalista desse prêmio em cinco ocasiões. Suas fotos dos Koruba vivendo em absoluto isolamento correram o mundo. Um dos integrantes da missão, o sertanista Raimundo Batista Magalhães, o Sobral, foi assassinado pelos índios durante a missão.

Foto: Ricardo Beliel

Índio Koruba, Amazônia, 1997. À direita, o sertanista Sidney Possuelo 

Em entrevista que concedeu em junho ao fotógrafo Felipe Larozza para a rede global de mídia Vice, Beliel disse que vive o momento presente, e que assim construiu um passado. Que o jornalismo foi um álibi para viver na intensidade que queria. “Eu olho para trás e vejo que construí uma vida rica e intensa. Eu vivi, no jornalismo, muitas situações de risco de vida. Muitas vezes, pensei: passei por uma, passei por outra, será que passo da próxima?” Na Amazônia, viveu duras experiências, como na epopeia do garimpo em Serra Pelada, na construção da BR-174 e no represamento de Balbina, na construção de Tucuruí, nos choques da civilização agressiva com os índios no Xingu e na abertura da rodovia Transamazônica.

Já reconhecido internacionalmente por muitos trabalhos, Beliel foi contratado pela agência francesa GLMR & Saga Associés, produzindo coberturas na América Latina e África durante seis anos. Essa experiência sustenta até hoje o interesse pelo trabalho de Beliel por parte de diversas publicações internacionais – como Figaro Magazine, Time, National Geographic, Christian Science Monitor, Marie Claire, Discovery Magazine -, para as quais atua como profissional free lancer.

Essa atividade intensa o levou a receber da Organização Internacional de Jornalistas o prêmio Interpressphoto, e da Confederação de Jornalistas da União Soviética o prêmio Alexander Rodchenko, ambos em 1991. Grande contador de histórias, Beliel tem uma lembrança para cada imagem. E faz uma espécie de tour com quem visita suas exposições, contando detalhes da experiência que levou à fotografia exposta. Uma das mais pitorescas se deu com o irmão da cangaceira Maria Bonita, que vivia ressabiado no interior da Bahia, avesso à ideia de identificar-se dessa forma por acreditar que as pessoas não viam com bons olhos quem quer que fosse ligado ao cangaço. Mas Beliel estava por lá pesquisando remanescências do cangaço na região do Angico quando soube, por uma senhora que o abordou, que ali perto vivia o tal personagem, mas que era avesso a falar do assunto. E que nem com ela, irmã mais nova dele, se abria pra falar dos tempos de Lampião.

 

Isso não desanimou Beliel, que é jornalista, já ralou em muitas redações. E tratou de identificar e localizar o personagem. Quem sabe o homem fala? Não custa tentar. Um dia, viu o arredio personagem sentado num banco da praça, calado. Sentou-se ao lado, também calado. Calado ficou até que o homem abriu a boca. E começaram uma conversa sem fim, da qual Beliel trouxe não só ótimos retratos, mas detalhes minuciosos da vida dos cangaceiros no sertão do Brasil.

Ele é assim. Paciente, como todo bom fotógrafo. Espera o momento certo pra fazer a foto. Mantém o controle sobre a luz, a exposição, o ambiente. E produz obras-primas apreciadas no mundo inteiro.

 

Romildo Guerrante é jornalista, editor da Revista Bio.