Edição 199 - Aracaju, 19 de julho a 16 de agosto de 2015
Poesia
Por Mariel Reis
Para Francis Ponge
Recomenda-se cuidado
Ao manuseá-la, lê-se
O aviso na caixa. A seta
Indica “este lado para cima”
Para que não se quebre
Aquilo que vai dentro
Se o dentro existe ainda.
Recomenda-se cuidado
No transporte, por todo
O lado espalha-se frágil.
E para o manuseio, pede-se
Movimentos de felino
Para que não se quebre
O seu conteúdo e uma febre
Não jogue o corpo à morte
E ao transtorno infinito.
Embalada em madeira
A caixa parece esquife,
Desmontá-la com furadeira,
Pé de cabra e chave de fenda.
A instrução recomenda:
Uma ação demorada, lenta
Para que do seu interior
Não vaze para o piso
O ácido, o diamante, a flor.
As ripas em diagonal
Descem superpostas,
Percebe-se pular delas
Amassadas folhas de jornal,
Carne efêmera que a preenche
Talvez salte dela o silêncio
De que está grávida
E revele o segredo à caixa.
Entretanto, teme-se abri-la.
Pode ser como a vida, pondera
O observador sobre a caixa.
E se ela estiver vazia? Como
A própria vida se acha?
E se de suas entranhas de papel,
Isopor e tiras de fitas adesivas,
For vomitado informe
O seu interior limpo?
Mariel Reis (Rio de Janeiro, 1976) é originário do limítrofe bairro carioca da Pavuna (vizinho à baixada fluminense), graduou-se em letras pela UERJ e integrou os conselhos editoriais das Revistas Confraria do Vento e Paralelos. Seus livros lançados são Linha de recuo e outras estórias (2005), John Fante trabalha no Esquimó (2008), Cosmorama (Poesia, 2009) e Vida cachorra (2011), este último com prefácio de João Anzanello Carrascoza e quarta capa de Paulo Lins. Em 2012 lançou A arte de afinar o silêncio.