Edição 197 - Aracaju, 24 de maio a 21 de junho de 2015

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Linguística

Palavras pra que te quero
O nome das coisas

Por Elton Bonaventi

 

Duas palavras sobre algumas palavras. No curso de jornalismo nos ensinam: fuja dos clichês e dos lugares-comuns. Como o diabo foge da cruz.

Tento todo santo dia. Ainda que as palavras clichezentas e desgastadas me persigam. Corro delas e elas me perseguem, como uma maldição.

Palavras nomeiam coisas. Sentimentos. Situações. É a partir delas que tudo existe. Experimente falar de algo para o qual não há palavras. Então.

O problema é evitar os atalhos por demais conhecidos. São cômodos como uma bengala. Um editor brasileiro, igualmente cabreiro com as palavras surradas pelo cotidiano, baixou uma ordem de serviço na revista que dirigia. Criou um índex de palavras que deveriam ser evitadas durante um dado período. Uma quarentena.

Será que funcionou? Não estou certo de que as palavras aceitam ordens. Elas são fugazes e imperiosas. Quando você mal espera, ela já está na ponta de sua língua, ou de seus dedos.

Talvez o melhor método seja desenvolver a consciência de que lidar com palavras é como lidar com fogo. Então, é preciso ter bastante cuidado com elas. Não é apenas a felicidade que é uma arma quente. A própria palavra felicidade não pode ser inserida na categoria de clichê universal?

Outra regra de ouro que nos é ditada no curso: use as palavras mais simples. Então, eu tenho mesmo que escrever felicidade. Pegaria mal pacas eu sapecar algo do tipo um estado de êxtase em seu lugar. Ainda que alguns sucedâneos possam ser testados. Que tal nirvana? Ou mesmo céu?


A palavra felicidade parece ser mesmo um clichê incontornável. Mas não é o que agride com mais frequência meus ouvidos pós-modernos. Outros me tiram do sério de verdade.

Um exemplo: resgate. De uso irrestrito e generalizado. Verdadeira praga. Precisa ser resgatada urgente, para que jamais seja aplicada de novo, exceto nas situações de resgate.

Outro exemplo: sustentável. Essa não corre o risco de extinção jamais. Tem mais sustentação do que fralda de bebê. É preciso sustentar algo mais sustentável, de modo a substituir essa palavra mais obliterada do que sorvete no verão.

O léxico é vasto, pegue um jornal, uma caneta, e vai fisgar muitos exemplos.

Agora, uma dúvida. Ao eliminar totalmente os clichês e lugares-comuns da linguagem, não corremos o risco de nos tornar incompreensíveis ou, na hipótese extrema, mudos? Os clichês e lugares-comuns não são partes inevitáveis da comunicação, como o são na vida cotidiana uma dor de dente ou uma unha encravada?

As palavras conhecem seus próprios estatutos, e a nós resta a tentativa de não nos perdermos em demasia em seu próprio labirinto.



Elton Bonaventi é estudante de jornalismo.