Edição 196 - Aracaju, 12 de abril a 17 de maio de 2015
Cinema
Por Paulo Lima
Foto: Divugação
Cena do documentário O apartamento, do diretor Arnon Goldfinger (à esquerda)
O apartamento (The flat) é um documentário israelense de 2011 dirigido por Arnon Goldfinger. O filme, que pode ser visto no Netflix, começa como uma singela crônica familiar e deságua numa investigação digna de um thriller romanesco. A estrutura e a forma como foi conduzido comprovam que um bom documentário não está necessariamente relacionado a um grande tema.
Logo depois da morte de sua avó, aos 98 anos, Arnon Goldfinger vai com a família até o apartamento dela em Tel Aviv, onde viveu desde que emigrou da Alemanha nos anos 1930. Não há pesar ou gravidade nessa visita. O descarte do espólio se dá em meio a risadas provocadas pelas descobertas que filhos, netos e bisnetos fazem dos hábitos e objetos da avó. Se viver é acumular coisas, a avó soube conservar cada pedacinho de sua longa existência.
Porém, é a partir de um pequeno achado feito por Arnon que o documentário sofre um ponto de virada e adquire uma curva dramática. Ele descobre um antigo jornal nazista nos guardados da avó. Nesse momento o filme começa de fato, e a busca que Arnon irá empreender para solucionar esse enigma familiar é o que sustenta a tensão da narrativa.
Se o espectador desconfia que, nessa descoberta, há um horizonte apontando para o Holocausto, não se engana. Mas qualquer julgamento prévio passa muito longe das surpresas que o documentário irá reservar a cada minuto, até o inesperado e simbólico final.
Arnon Goldfinger montra o quebra-cabeça da busca com a sobriedade de um legista, mas com uma flamejante paixão por uma verdade que até então se ocultava no passado de sua família. Curiosamente, esse ardente interesse contrasta com o distanciamento do restante da família. Sua mãe, que chega a acompanhá-lo à Alemanha, no percurso da investigação, afirma, para desapontamento do filho, que a a resolução ou não desse puzzle familiar não era importante para ela. Arnon atua o tempo todo como um paladino solitário.
É notável a clareza com que Arnon vai expondo o enigma, mantendo a tensão a cada cena. A estrutura do filme é toda ela calcada em depoimentos e arquivos históricos, e a narrativa em off de Arnon, que em muitos momentos lembra o melhor de Wim Wenders, contribui para manter o fio da meada da história. Os diálogos que os entrevistados travam são tão bons e naturais, que ficamos nos perguntando se não foram repetidos ou repassados à exaustão.
O apartamento ganhou alguns prêmios – Festival de Tribeca e de Jerusalém - e conquistou a opinião pública israelense, quando foi lançado. Em sua juventude, Arnon Goldfinger jogou xadrez, e chegou a ser considerado um dos mais exímios jovens enxadristas de Israel. Sua estreia como documentarista se deu com o longa The Komediant, de 1999, sobre uma família de artistas yiddish dedicada ao teatro vaudeville. O apartamento é seu segundo longa. Embora centrado no caso de uma família judaica, o filme, no melhor sentido à la Tolstoi, acaba por revelar o mesmo universo de distanciamentos, segredos e paixões que compõe os laços comuns a qualquer família.