Edição 193 - Aracaju, 04 de janeiro a 01 de fevereiro de 2015

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Cultura

Os oitenta anos de Elvis Presley
Minhas histórias com o Rei do Rock

Por Reginaldo de Jesus

Fotos: Arquivo do autor

O autor em frente a Graceland, em 2002

 

Nada me afetou até o dia em que ouvi Elvis.

(John Lennon)


Dizer que faço minhas as palavras de John Lennon soa como um clichê. No entanto, neste caso, acredito piamente que o saudoso Beatle expressou, magistralmente, não só um sentimento pessoal, mas também de toda uma casta que viria a ser a maior do mundo: os fãs de Elvis Presley. Se alguém duvida disso que estou dizendo, vá a Memphis, nos Estados Unidos, durante a Semana Elvis, e veja com seus olhos o congraçamento de milhares de fãs do Rei do Rock de todas as partes do mundo, que neste período participam de uma verdadeira peregrinação à Meca do Rock.

E é como um de seus ardorosos seguidores que venho aqui, para a difícil e prazerosa missão de dizer muito em tão pouco espaço. Para conseguir este intento, não vou contar a história do Rei do Rock'n'Roll, que pode ser lida nas centenas de biografias já escritas sobre ele, com destaque para as mais célebres delas: Last train to Memphis e Careless love, de Peter Guralnick (infelizmente ainda não há traduções destas duas), Elvis Presley e a revolução do Rock, de Sebastian Danchin e Elvis Presley – a vida na música, de Ernst Jorgensen. Para um futuro próximo, espero que venha a lume a belíssima biografia escrita por minha amiga Marièlena de Araujo.

O que pretendo aqui é exatamente celebrar, através de alguns testemunhos, os 80 anos que Elvis faria, em 8 de janeiro de 2015, se estivesse vivo fisicamente. Mas Elvis não morreu e nunca morrerá. Com certeza, esta frase também virou um lugar-comum nas vozes de seus fãs e mesmo daqueles que só o admiram de longe. Embora ainda hoje haja quem pense que Elvis simulou a própria morte e está vivíssimo por aí, o chavão de que ele não morreu é uma referência à sua imortalidade enquanto o artista que foi e que é. Não foi por acaso que ele foi eleito o maior artista do século XX, em eleição oficial.

Ouvi pela primeira vez o nome de Elvis Presley na voz de Cid Moreira, apresentador do Jornal Nacional, nos tempos idos e vividos, quando esse jornalista anunciava a morte do Rei do Rock, no fatídico dia 16 de agosto de 1977. Eu tinha acabado de fazer nove anos de idade, no dia 7 de agosto. Nove dias depois, o mundo perdia o homem mais fotografado do mundo. Outro clichê? Talvez, mas várias publicações atestam isso e ainda dizem que Elvis, no quesito fotografia, só perde para Mickey Mouse.


O autor em frente ao túmulo de Elvis, em 2007

Não me envergonho de dizer aqui a verdade. Espero ser compreendido por outros fãs do Rei que lerão esta matéria. A notícia da morte do mais famoso cantor americano em nada me afetou. Mas é bom que se diga, a meu favor, que só ouvia músicas brasileiras numa época em que as rádios tocavam, de fato, os melhores artistas brasileiros. Por isso, menosprezei a morte de Elvis. Eu nunca ouvira uma música dele antes. Mesmo assim, sofri um certo impacto ao ver flashes de imagens dele em ação no filme “Elvis é assim”, mostradas pelo Jornal Nacional, naquela edição de 1977. Apesar das imagens, cheguei a dizer a mim mesmo, em voz alta: “Grande perda! Cantor americano...”

No dia seguinte, as rádios tocavam, sem cessar, os sucessos do Rei do Rock. Fiquei petrificado ao ouvir para valer aquela voz inefável em seu hit "It’s now or never" e os famosos clássicos de rock’n’roll gravados por ele nos anos 1950. Parecia que Elvis resolvera dar uma resposta a meu menosprezo por sua partida. Senti nos ouvidos, no coração e na alma a verdade da frase de Lennon, que só conheceria anos mais tarde. Ironicamente, Elvis nasceu para mim quando morreu. Eu nunca ouvi uma voz tão bela como a dele.

Daí por diante, mendiguei, para ser bem preciso, por cada momento em que alguém, em qualquer lugar, tocava músicas de Elvis Presley. Na ocasião, o LP (long play em vinil) deste cantor mais tocado pelas pessoas era “Elvis – Disco de Ouro”, lançado pela RCA brasileira em março de 1977, portanto, cinco meses antes da morte do Rei do Rock. Mas como eu só ouvia rádio e não tínhamos vitrola em casa, só conheceria e viria a sentir o impacto desse LP imediatamente depois da morte de Elvis.

Era muito difícil encontrar uma casa que não tivesse aquele LP. "Kiss me quick" era a primeira faixa do lado A e fez (e ainda faz) um estrondoso sucesso no Brasil, sendo por isso mesmo, o carro-chefe do disco, seguida do sucesso universal, “It’s now or never”, versão do clássico italiano “O sole mio”. Porém, se a canção “Kiss me quick” estava no hit parade brasileiro, o que não é de estranhar, tamanha a sua latinidade, não se poderia dizer o mesmo nas paradas americanas. O fato é que em algumas regiões do Brasil, “Elvis – Disco de Ouro” seria conhecido por “Kiss me quick álbum”.


O autor em frente ao estúdio que descobriu Elvis (2002)

De 1977 a 1981, cresceu minha mendicância para ouvir músicas de Elvis Presley. Se eu passasse por uma casa que tocava alguma canção dele, parava e deixava a música me possuir inteiramente. Também é bom que se diga que eu sofria bastante quando a canção acabava, pois não sabia quando ia ouvi-la de novo ou mesmo quando conheceria outras músicas do cantor.

Ah! A sensação inaudita de se deixar atravessar por uma canção... Imaginem este mesmo sentimento quando se está perdidamente apaixonado pela voz que emite as notas daquela canção. Era e é o meu caso por Elvis. Assim, no dia seguinte a sua morte, eu descobri a coisa que iria mudar minha vida para sempre. Nunca mais seria a mesma pessoa, depois de ouvir o Rei do Rock. Em tenra idade, minha vida mudou radicalmente. Eu percebi que estava fadado a ser feliz porque Deus me dera o privilégio de ser um fã de Elvis Presley.

A questão agora era como ia me aproximar, para valer, de meu primeiro e maior ídolo da música. Em 1978, exatamente um ano depois da morte de Presley, a Rede Globo anunciou a transmissão do especial da CBS “Elvis in Concert”, sobre sua última tournée. Só de ver, inúmeras vezes, a propaganda desse especial eu ficava alucinado. E, ao mesmo tempo, invadia-me uma tristeza inominável por ver o homem mais bonito do mundo naquele estado físico e psicológico deplorável. Entretanto, qualquer imagem de Elvis era um alimento para meu espírito, ávido de sua presença. É bom lembrar aqui que não nos valíamos de computador e internet, nessa época, no Brasil. Elvis chegava até nós através do rádio, da TV e de algumas revistas, além de, é claro, pelos discos.


O autor com Joe Esposito, braço direito de Elvis, em 1998

Por falar em discos, já está na hora de contar como adquiri meu primeiro disco de Elvis. De 1977 a 1981, juntei cada centavo ganho para comprar o supramencionado LP “Elvis – Disco de Ouro”. Eu era de uma família muito pobre e não podia me dar o luxo de pedir aquele disco de presente. Mas era uma tortura saber que a loja de discos mais próxima de minha residência, a Mano’s Som, situada dentro do Terminal Rodoviário de Aracaju, exibia em uma de suas paredes o álbum tão almejado por mim.

Citando Drummond, “Nunca me esquecerei desse acontecimento/ na vida de minhas retinas tão fatigadas”. Nunca me esquecerei do dia em que, juntamente com meu sobrinho Wellington, fui à loja Mano’s Som, finalmente, não mais para contemplar, mas para comprar o LP “Elvis – Disco de Ouro”. Os vendedores riram muito quando depositei o valor do disco, em forma de mil moedas, sobre o balcão. Parecia que eu tinha acabado de quebrar um cofre em formato de porquinho.

E o que dizer do meu júbilo de possuir aquele disco? Levei-o para a casa de meu irmão mais velho, pai de Wellington, pois só seria possível usufruir dele por lá. Eu não conseguia acreditar que não mendigaria mais para ouvir aquele LP nas casas alheias. A sensação que tinha era de que cuidava de um bebê recém-nascido. Passei a noite inteira acordado e velando meu “Elvis – Disco de Ouro”.

Sim, não seria possível dormir naquela noite porque era como se o próprio Elvis estivesse ali comigo. A cada audição daquele disco, eu o ressuscitava. Na verdade, era impossível acreditar que ele tivesse morrido. Até hoje tenho a sensação de que este meu amigo-irmão-pai-guru não morreu, de fato. Ele apenas se transfigurou num Anjo Bom. Está comigo nos piores e melhores momentos de minha vida. É uma inspiração para tudo que faço.


O autor na Elvis Experience Brasil 2012

A propósito, por falar em primeiro disco, olha o que descobri, ao ler por esses dias, a biografia Edu Lobo – são bonitas as canções: “O primeiro disco, a gente nunca esquece. O de Edu foi comprado no Mercadinho Azul, em Copacabana. [...] Do Mercadinho Azul Edu voltou para casa com o disco de estreia de Elvis Presley, que tinha por título o nome do cantor e no Brasil ganhou uma vistosa capa vermelha. Um impacto, uma revelação: trazia músicas como “Tutti Frutti”, “I got a woman”, “Blue Suede Shoes”. ‘Eu adorava, nunca mais me esqueci. Gosto de ouvir até hoje. Ele cantava muito bem’, diz Edu”.

Se eu já era fã de Edu Lobo, depois disso ele me conquistou de vez. Sem contar o fato de que Chico Buarque revela, há 30 anos, no quarto DVD da série retrospectiva de sua obra, ter gostado muito de Elvis Presley na juventude. As declarações de dois dos maiores artistas de nossa MPB só aumenta a constelação de artistas que se dizem fãs ou ao menos grandes admiradores de sua majestade, o Rei do Rock. Meu ídolo, Raul Seixas, por exemplo, está entre os maiores fãs de Elvis Presley.

Depois de meu primeiro disco de Elvis, era natural que viessem outros e o segundo, “Elvis – By Request Vol. II Specially for Brazil”, de 1981, também foi muito marcante para mim. Comprei-o sem ter de amealhar dinheiro por tanto tempo, desta vez. Sua capa traz uma foto de Elvis do festejado ’68 Comeback Special produzido pela NBC. Eu só iria ver esta e outras produções do Rei alguns anos depois.

Como o próprio título indica, este foi mais um LP lançado pela RCA brasileira. Sua contracapa trazia excertos de boletins de fãs clubes brasileiros de Presley. Foi ali que vi pela primeira vez os nomes de Walteir Terciani e Marcelo Costa, presidentes, respectivamente, da Gang’ Elvis e SPEPS, com quem, 16 anos depois, eu faria minha primeira viagem a Memphis para participar da Elvis Week dos 20 anos sem Elvis.

A primeira vez que ouvi a canção “Rags to riches”, primeira faixa do Lado A desse LP, fiquei paralisado. Meu Deus! O que era aquilo que meus ouvidos captavam? A extensão que Elvis dá à palavra “from”, no início da música, é de tornar qualquer pessoa seu fã à primeira audição. Depois de sua interpretação vulcânica em “Rags to riches”, eis que surge a inicialmente trauteada “I’m leavin’”, como se os organizadores desta coletânea quisessem dizer que Elvis migra de um vulcão em erupção a um lago de águas serenas, num átimo. E a tríade deste LP se completa com a magnífica “Suspicion”. Através deste disco, passei a conhecer algumas interpretações do Rei nos anos 1970 e também de algumas trilhas sonoras de seus filmes.

Neste ínterim, conheci os Beatles através de um querido cunhado. Também foi amor à primeira audição. O problema é que meu cunhado tinha a coleção quase completa dos quatro cabeludos de Liverpool e me fez passar em revista aquela discografia. Fiquei tão abalado que não sabia se amava mais Elvis ou os Beatles. É claro que a voz de Elvis, para mim, continuava insuperável. Na verdade, desde que o ouvi pela primeira vez, já sabia que nunca mais ouviria uma voz superior àquela. Contudo, o repertório dos Beatles estava em vantagem, pois eu só tinha dois LPs do Rei e era bombardeado por quase toda a discografia da maior banda de rock do mundo.

O tempo passou, vieram outros LPs de Elvis e logo, logo, não teria mais dúvida. Nenhum artista da música seria maior do que Elvis Presley, para mim. E se ainda houvesse alguma dúvida, o Clube dos Reis a desfaria em favor de Elvis. Clube dos Reis era um programa de rádio cuja vinheta esclarecia de entrada quais seriam esses reis da música: “E com vocês o Clube dos Reis, o Clube dos Reis... Só os sucessos de Roberto, Elvis, Beatles e Bee Gees.”

Quantos clássicos de Elvis eu ouviria, em primeira mão, neste programa, que ia ao ar aos domingos, acho que por volta das 14h. Foram muitos. “I can’t stop loving you”, “My way”, “My boy”, “Sylvia”, “Angel” e tantas outras canções, imortalizadas nas interpretações de Presley, chegaram aos meus ouvidos, tão carentes de sua música, nas ondas do Clube dos Reis. O programa não se restringia a tocar as músicas destes quatro artistas, mas contava pequenas histórias da vida e da obra deles, antes da reprodução da música anunciada.

Às vezes, era contada a história da própria música anunciada. Quando me inteirei melhor sobre a biografia do Rei do Rock, pude perceber quantas informações eram mal divulgadas sobre ele, durante o programa. Nunca vou me esquecer de o locutor ter dito, uma vez, que Elvis Presley tinha formação acadêmica em História e Inglês. Esta era para matar de rir. Embora Elvis fosse um leitor voraz, só cursou até o que chamamos hoje de Ensino Médio. Mas eu adorava o Clube dos Reis. O chato era o programa não ser voltado apenas para as músicas de Elvis.

Em 1982, a RCA lançou uma série de discos das trilhas sonoras de vários filmes do Rei. Comprei todos os que minhas posses permitiam e chorei pelos que não pude comprar. Havia três lojas no centro de Aracaju que levavam à loucura qualquer fã de Elvis desprovido de dinheiro: o Cantinho da Música, Foto Som Studio e Cine Foto Walmir. Eu fora cliente regular da primeira. Lá, comprara meus mais raros discos de Presley. Entre eles, as trilhas sonoras dos filmes Blue Hawaii,  It happened at the world’s fair e Fun in Acapulco, no Brasil, respectivamente Feitiço Havaiano, Loiras Ruivas e Morenas e O seresteiro de Acapulco.

Agora eu poderia ouvir em disco muitas músicas que só ouvia quando a Rede Globo anunciava o Festival Elvis Presley, nas férias de janeiro. Ou quando essa emissora exibia filmes do Rei na “Sessão da Tarde” ou ainda no “Corujão”. Houve uma vez em que a Globo pôs um filme de Elvis em sua programação de SuperCine. Foi o Double Trouble, conhecido entre nós como Canções e Confusões.

Ah! Eu adorava ver os filmes de Elvis na TV aberta, ainda que fossem dublados. Eles me enchiam de fantasias adolescentes. O Rei está em perfeita forma física em quase todos esses filmes. Sua beleza é estonteante. Sempre achei que por mais belo que ele fosse nos anos 1950 e 1970, jamais fora tão belo como nos anos 1960. Na verdade, são belezas diferentes na mesma pessoa. Como também as canções são diferentes nestas três fases de sua carreira.

Há pelo menos duas histórias que vou guardar para sempre dessa época. A primeira é que cheguei a ouvir a trilha sonora completa de um dos filmes de Presley sem ter visto o filme antes. Foi o caso de “O Seresteiro de Acapulco”. Havia um conhecido no bairro onde eu morava que tinha esta trilha sonora em LP e adorava ouvi-la. Sorte minha! Ficava do lado de fora da casa dele ouvindo um Elvis latino cantando em inglês e espanhol. A partir dessas audições, eu ficava imaginando como seria aquele filme. Era o máximo.

A segunda história tem a ver com as estripulias que eu fazia para tentar gravar alguns filmes de Elvis em fita de VHS. Meu cunhado Renivaldo fora um companheirão nestas horas. Subia no telhado da casa dele para mexer na antena externa com o fito de melhorar a qualidade da transmissão do filme pela Globo. Só assim eu poderia fazer uma gravação sem os famosos chuviscos ou imagem cheia de listas.

Algumas vezes o esforço de meu cunhado era compensado com uma imagem boa, outras vezes não havia santo que ajudasse. Numa dessas vezes, conseguimos gravar o filme “Clambake” cuja versão em português era “O barco do amor”. Esta foi minha primeira cópia de um filme de Elvis. Depois vieram muitas outras, principalmente feitas dos filmes do Rei que chegavam às locadoras de vídeo. Das cópias aos vídeos originais em LDs, DVDs e Blu-rays seria um longo caminho.

Em 1987, dez anos depois da morte do Rei do Rock, li a primeira biografia brasileira de peso sobre ele: Elvis, mito e realidade, de Maurício Camargo Brito, natural de Mogi Mirim, São Paulo. Essa obra, sem dúvida, foi minha grande escola sobre Elvis, durante muito tempo. Fruto de uma pesquisa de dez anos sobre este artista, Maurício foi um privilegiado por ter assistido a um show do cantor, em 29 de novembro de 1976, no Cow Palace, em São Francisco, na Califórnia. Inclusive esta experiência inusitada é narrada na abertura do livro.

Maurício lamenta muito não ter tido acesso ao Rei, mesmo usando o pretexto de que estava escrevendo um livro sobre ele. Mas consegue sair do Cow Palace com parte de uma echarpe que lhe foi oferecida por uma fã americana, depois de ele instar muito por aquele souvenir.

Como Maurício Camargo comercializava produtos de Elvis, entrei em contato com ele para elogiar seu livro e solicitar seu catálogo de produtos elvísticos, geralmente cópias. Por alguns anos, fui seu cliente e adquiri principalmente cópias de shows do Rei gravados por cinegrafistas amadores. Eram cópias em VHS. Ainda não havia DVD.

Ainda nos anos 1980, li outras biografias sobre Elvis Presley, mas ressalto aqui o livro Elvis e eu, de sua ex-esposa, Priscila Presley. Era inegável que se trata de um livro autobiográfico, pois embora Elvis seja personagem principal, Priscilla divide esse protagonismo com ele. O livro me causou reações adversas. Às vezes, eu morria de raiva de Priscilla; às vezes, do próprio Elvis. Mas no frigir dos ovos, eu o digeri bem porque ele passa a sensação de que se está lendo um romance. Já não posso dizer o mesmo do filme em que esse livro se transformou. Eu o detestei.

No início dos anos 1990, conheci casualmente numa loja de discos, em Aracaju, um fã de Elvis que tinha a maior coleção do Rei em vinil. Ficamos amigos imediatamente. Robson é seu nome. Ele foi bastante generoso ao me permitir não só conhecer sua coleção elvística, mas também ao compartir comigo esta coleção, franqueando-me cópias de quaisquer de seus discos, nas velhas e problemáticas fitas cassetes. Bons tempos. Inúmeras vezes recebi telefonemas de Robson que entremeava sua conversa com músicas de Elvis que eu jamais ouvira. E foi dessa forma que fui apresentado ao clássico “And I love you so” e tantas outras canções do LP Elvis Today.

Através de Robson, conheci Alan, outro fã de Elvis Presley por aqui. Eu, Alan e Sanny, um amigo dos tempos dos movimentos católicos, formamos um trio para as cantorias das músicas do Rei do Rock. Durante anos nos reunimos com este objetivo. Alan ao violão e vocal, eu no lead vocal e Sanny fazendo o backing vocal. Fechando este ciclo de amizades elvísticas em Aracaju, conheci Adolfo, na casa de Alan, ainda muito jovem, mas já um autêntico fã de Elvis. Com o passar dos anos, Adolfo se tornou um dos mais lídimos fãs do Rei em terras sergipanas.

No que concerne a cantar músicas de Elvis Presley, sempre fiz isso desde o princípio, quando ainda não sabia nem os rudimentos do inglês. Embarcava na sonoridade das canções e com meu “falso inglês”, para citar aqui uma música de Toninho Horta, outro dos meus ídolos, inventava um jeito de cantar as músicas do Rei do Rock. Cantava-as em qualquer lugar onde estivesse. Só para mim, se fosse em lugar público; soltando o vozeirão, se fosse no banheiro de casa, no momento do banho. Normalmente o banheiro era meu estúdio e palco, ao mesmo tempo, graças à boa acústica. Até sonhava em um dia gravar um disco em vinil ou CD.

E por falar em CD, foi ainda no início dos anos 90 que chegou até nós o substituto do LP. Era o “adeus” ao vinil? Para muitos amantes da música foi o terror. Não para mim. Diferentemente da aquisição de meu primeiro LP, meu primeiro CD não foi de Elvis, mas de um artista contemporâneo dele: Roy Orbison. Com o tempo eu descobriria a admiração mútua entre os dois. O Rei chegou a dizer que Roy tinha a mais bela voz do Rock’n’Roll.

Aproveito o ensejo para declarar que me tornei fã de outros cantores também muito apreciados por Elvis, como o próprio Roy Orbison, meu segundo maior ídolo; Tom Jones, Neil Diamond, Jackie Wilson. Nem sempre soube de cara da ligação destes cantores com Elvis. Foi o caso de Tom Jones, por exemplo. Eu o ouvia e dizia: “Está aí um cantor que cairia no gosto de Elvis”. Só depois descobri que os dois se frequentavam em shows ou em casa.

O tempo passou e o meu desejo de conhecer a Meca do Rock era cada vez maior. Refiro-me a Memphis, Tennessee, cidade escolhida inicialmente pelos pais de Elvis Presley e depois por ele mesmo para fincar raízes. Como todo fã do Rei, eu sonhava em visitar sua mansão Graceland, que vira tantas vezes em fotos e vídeos. Em 1997, dei um ultimato a mim mesmo e já com passaporte e visto, pensei em viajar a Memphis para prestar meu tributo a Elvis nos 20 anos sem sua presença física.

Em meus parcos planos, faria essa viagem sozinho, no mês de julho, isto é, fora da Elvis Week ou Semana Elvis, que se dá todos os anos no mês de agosto. Entretanto, acordei há tempo antes que a realização de um sonho se tornasse um pesadelo e liguei para Marcelo Costa, ainda presidente da SPEPS, na época, para saber se havia uma vaga para mim na excursão guiada por ele. Marcelo me disse que não só havia uma vaga para mim como também iria me juntar ao maior grupo de brasileiros numa mesma excursão com destino a Memphis.


O autor em sua primeira visita a Graceland, em 1997

Contei cada segundo que passava na expectativa dessa viagem. Não dava para acreditar que eu ia realizar o sonho de milhões de fãs de Elvis por todo o mundo. E finalmente chegou a hora. Saímos do Brasil no dia 6 de agosto. Foi a primeira vez que viajei de avião. Meu voo pela Varig fez escala em Maceió e seguiu para São Paulo. De lá, juntamente com mais 33 fãs brasileiros do Rei do Rock, seguiríamos viagem para Miami e Charlotte. Só depois chegaríamos a Memphis. Para minha alegria, eu passaria meu aniversário na cidade de Elvis. Nem suspeitava que seria o primeiro de mais três aniversários por lá.

A excursão dos 20 anos da morte de Elvis foi espetacular. As pessoas eram bastante amigáveis, a despeito de ser complicado administrá-las. Do início ao fim da viagem e por muitos anos afora, firmei amizade com Rui, Elenice, Wilson, Mariélena, Jacqueline, Nicolau, Walteir e Marcelo, este último, guia da excursão. Usufruí de cada momento ali vivido, todavia não posso deixar de destacar três destes instantes que valeram por uma vida: a primeira vez que me deparei com Graceland, um show de Carl Perkins em tributo a Elvis e o show Elvis in Concert ’97 com Elvis ao telão em imagens de vários de seus shows, e ao vivo, os comediantes, músicos e vocalistas que acompanhavam o Rei.

Um ano depois, eu voltaria a Memphis. Desta vez numa excursão de apenas 12 pessoas guiadas pelo casal de Londrina, Jeferson e Silmara. Havia apenas quatro pessoas da excursão anterior liderada por Marcelo Costa. Todos eram muito gentis, mas destaco aqui a amizade que firmei com Jeferson, Silmara, Fernando, de Niterói, e Waldenir Cecon, de Alta Floresta.

Essa excursão foi um excelente complemento da anterior. Fomos a lugares em Memphis que seriam inviáveis para uma excursão com muita gente. Visitamos Lauderdale Courts, condomínio para famílias de baixíssimas rendas onde a família Presley morou, em seus primeiros anos na cidade. Fomos ao quarto onde Elvis ficou internado, algumas vezes, no Baptist Memorial Hospital. Estes dois lugares seriam demolidos, anos depois.

Visitamos o túmulo onde Elvis foi sepultado originalmente no Forest Hill Cemetery. Fomos à casa onde ele morou com seus pais, em Audubon Drive 1034, antes de comprar Graceland. Estivemos no Mid-South Coliseum numa tarde em que não havia nenhum evento por lá e pudemos entrar nos camarins de onde Elvis saiu para fazer alguns shows nesta arena. Visitamos a Academia de Kang Rhee, mais famoso dos professores de caratê de Elvis, amigo de Bruce Lee e Chuck Norris. Entramos na sala de aula onde Elvis estudou na Humes High School.


Com Khang Rhee, professor de caratê de Elvis, em 1998

Enfim, fomos a muitos outros lugares relacionados ao Rei do Rock. Foi deveras uma excursão quase perfeita, como a anterior, só faltando mesmo o Rei, em pessoa, por lá. Para mim em particular, uma das melhores coisas foi ter conhecido Stephan Thiele, um fã alemão de Elvis Presley. Ele nos pediu carona em frente aos portões de Graceland, quando nós íamos a Tupelo, cidade natal de Elvis, no Mississippi. Desde então, Stephan estava sempre conosco para todos os lugares aonde fôssemos. De espírito alegre e comunicativo, o alemão conquistou todos em nosso grupo. Nós dois fizemos muitos duetos para várias canções de Elvis e carimbamos uma amizade para os restos de nossas vidas.

Resta dizer que com essa excursão de 1998 ainda conheci Las Vegas e Nova York. Elvis era considerado o Rei de Vegas. Fez 837 shows, todos com casa lotada, de 1969 a 1976, no Las Vegas Hilton Hotel, onde ficamos hospedados. É verdade que este hotel se chamava International em 1969 e 1970, por pertencer a outro proprietário.

Mas foi no MGM Grand que vivenciei minha melhor experiência em Vegas. Assisti a dois shows de meu ídolo Tom Jones, um grande amigo e ídolo de Elvis. Antes, durante e depois dos shows me lembrei muito de meu amigo Sanny, outro grande fã de Tom. Como eu queria que ele estivesse ali comigo! Fernando foi meu parceiro em um dos shows, e não sei se ele viu as lágrimas rolarem no meu rosto quando Tom Jones cantou “Walking in Memphis”, uma canção que reverencia Memphis e seu maior nome: Elvis.

O mais irônico sobre os shows de Tom Jones é que não consegui me aproximar deste ídolo, sequer para um autógrafo. Porém, um ano antes, meu amigo Rui, esposo de Nice, comprou o programa do show de Tom, no mesmo hotel em Vegas, e pediu a Marcelo Costa, que tinha acesso ao camarim do cantor, para pegar um autógrafo dele em meu nome. E até hoje guardo este autógrafo como uma relíquia, graças à generosidade de Rui e à boa vontade de Marcelo.

Voltei a Memphis em 2002, nos 25 anos da morte de Elvis Presley, acompanhado apenas de Henrique e Rodrigo, dois caras com quem eu ainda não tinha muito contato, mas que se tornariam grandes amigos em Elvis. Nossos primeiros encontros foram todos casuais. O primeiro se deu no aeroporto de Memphis, em nossa chegada para a Elvis Week, em 1997. Durante aquela Elvis Week, reencontrei Henrique em Graceland. Tornaríamos a nos reencontrar no aeroporto de Charlotte, de volta para o Brasil. O destino nos reservou uma viagem juntos.

Em Memphis, nós dividimos quarto com o casal Alírio e Janaína, que já moravam nos EUA. De tudo que curtimos naquela Elvis Week, o grande evento foi, indubitavelmente, o Elvis: The 25th Anniversary Concert, apresentado no Pyramid Coliseum e transformado em DVD. Até hoje agradeço muito a Jacqueline Ulmo meu ingresso para esse show, além do fato de ela ter sido minha intérprete nas negociações com um inglês que vendia os mais raros bootlegs de Elvis em 1997.


Em frente à casa onde Elvis nasceu, em Tupelo, Mississippi (2002)

Estive em Memphis, pela última vez, em 2007. Era a Elvis Week dos 30 anos da morte do Rei do Rock. Eu estava em Nova York com meu grande amigo Stephan, há 10 dias, e já havíamos decidido, em nossos países, que iríamos de Nova York a Memphis não exatamente para participarmos da Semana Elvis, mas para sentirmos o clima da cidade nos dias que antecedem essa Semana. Poderíamos ter visto um show de B. B. King, no Madison Square Garden, porém decidimos que eu gozaria mais um aniversário em Memphis.

O diferencial de nossa estada em Memphis, além de presenciarmos a chegada dos primeiros fãs para a Elvis Week, foi mesmo o fato de termos ficado hospedados quase em frente a Graceland, no Days Inn Hotel da Elvis Presley Boulevard. Isso seria impossível para quem não tivesse feito reserva com, pelo menos, um ano de antecedência. Todavia, como ainda não havia começado a programação da Semana, conseguimos reserva nesse hotel para cinco dias, ainda quando estávamos em Nova York. Nós deixamos o Days Inn justamente no primeiro dia da Semana Elvis. Eu voltei para o Brasil, e Stephan seguiu viagem pelo Canadá.

Dois fatos que me marcaram muito nos meus mais curtos dias em Memphis foram os encontros fortuitos com Marcelo Costa, já bastante debilitado de saúde, mas ainda conduzindo um grupo pequeno de fãs brasileiros de Elvis. E, graças a Marcelo, pudemos posar numa foto com John Wilkinson, guitarrista de Elvis de 1969 a 1977. John ia passando pelo complexo de lojas conhecido como Graceland Crossing, quando Marcelo o apontou para nós. Fomos solicitar fotos com ele e ele gentilmente nos concedeu essa honra. Hoje nem Marcelo Costa nem John Wilkinson estão mais entre nós.

Nos 35 anos sem Elvis, em 2012, não foi preciso me aventurar numa nova viagem a Memphis. Ele veio, pela primeira vez, ao Brasil através da maior exposição de seus pertences fora dos EUA, denominada Elvis Experience Brasil e do Elvis in Concert Brasil. O Shopping Eldorado, em São Paulo, recebeu mais de 500 objetos, entre carros, roupas, guitarras etc. do Rei do Rock vindos de Graceland. Era impressionante como podíamos chegar tão perto desses objetos. Nesse sentido, levávamos mais vantagem na apreciação deles por aqui do que se estivéssemos em Graceland. Que presente!

Concernente ao Elvis in Concert Brasil, a emoção personificada invadiu o Ginásio do Ibirapuera na noite de 8 de outubro de 2012. Os fãs brasileiros do Rei mostrariam por que são os mais passionais do mundo. Gritos e lágrimas se juntaram a cada acorde da TCB Band. E, é claro, Elvis esteve presente naquele palco, aos olhos de seus fãs brasileiros, muito mais do que ele se fez presente no telão. Nesse ano, apenas Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro foram as cidades privilegiadas para receber esse concerto. No ano seguinte, ele se estenderia a mais quatro cidades brasileiras. Assim, estava realizado o sonho de milhares de fãs brasileiros que ainda não puderam ir a Memphis. E também o sonho dos que foram à Meca do Rock, mas queriam ver seu ídolo no Brasil.

Enfim, encerro este relato fazendo uma homenagem a Joe Guercio, maestro de Elvis Presley de 1970 até o último show do Rei, em 26 de junho de 1977, em Indianápolis. Em uma de suas entrevistas mais recentes, ele diz que não conseguiria ver Elvis chegar aos 80 anos. Segundo o maestro, Elvis Presley é maior que a vida e é o tipo de astro que veio para brilhar intensamente e, por isso mesmo, era natural que tivesse partido cedo. Concordo com Joe Guercio, e como todo fã de Elvis, gostaria que ele ainda estivesse por aqui entre nós. Mas está certíssimo o clichê que diz que ele não morreu... nem nunca morrerá. Vida eterna ao Rei do Rock!

 

Reginaldo de Jesus é professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira no IFS - Campus São Cristóvão. Contato: [email protected].