Edição 193 - Aracaju, 04 de janeiro a 01 de fevereiro de 2015

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Crônica

Eles São Franciscos
Uma visita à livraria City Light Books

Por Júlia Gaspar

Fotos: Júlia Gaspar

Interior da livraria City Light Books em São Francisco

 

São Francisco para mim. San Francisco para os norte-americanos. Há quase 10 dias cheguei nessas terras querendo passear e "speak in english". Diferente de outras cidades deste país do Tio Sam, esta tem um nome muito comum no meu Brasil: Francisco. E este nome já embalou meus dias, minhas noites, meus sonhos e meus prantos.

Não, aqui não é Miami, não é Iorque, não é Orlando. Aqui é Francisco, São Francisco. Que me lembra o meu Chico Buarque; o meu papagaio Chico; o meu vô emprestado Seu Chico; o meu personagem de história em quadrinhos da infância Chico Bento; o nome do bairro em Niterói onde já fui em baladas adolescentes; o nome que demos à barriga grávida da minha mãe, antes de descobrirmos que seria uma irmãzinha; lembra o nome do neto que a minha mãe quer ter; lembra o meu vizinho que se foi tão jovem e tão perdido; o pescador e o fazedor de rapadura que entrevistei no Ceará; lembra a minha gente que cheira a sol e suor, a labuta e a malandragem, a generosidade e a esperança.

E nestes tempos de retrospectiva do que deixar para trás e do que plantar de novo, me encontro longe dos meus Chicos, das minhas raízes, dos meus cheiros nativos. Que mesmo com tantos defeitos, são os cheiros que contam a minha história. Às vezes bonita. Outras vezes nem tanto. Às vezes contadas de forma alta e bem articulada. Outras vezes disfarçadas, pulando alguns parágrafos que dão nó na garganta.

Estou longe de casa. Estou longe da minha terra. Mas aqui também é terra de Francisco, ora! São Francisco! Venho na livraria mais famosa da cidade, a City Lights Books, situada no encontro da comunidade italiana (North Beach) com a chinesa (China Town). Aqui se reunia a patota da geração Beat (Beat Generation), escritores e poetas norte-americanos da década de 50, num movimento chamado de "contracultura", que celebrava a não-conformidade e a criatividade espontânea. Eles representaram também uma voz nos EUA contra o macarthismo (política de intolerância que promoveu a "caça às bruxas", numa perseguição anticomunista e de desrespeito aos direitos civis nos Estados Unidos).


"Livros em lugar de bombas": o pacifismo hippie continua vivo na City Light Books

Sim! Passaram por aqui os heróis de uma época: Lawrence Ferllinghetti, Jack Kerouack, Allen Ginsberg, William S. Burroughs e outros tantos importantes. Deve ter tido também uns Chicos entre eles! Ah, aqui estou e poderei procurar livros e histórias de outros Franciscos. Ampliar as obras que conheço de homens com este nome tão presente na minha vida. Procuro nos balcões e prateleiras. Entre os autores: Leslie C. Bell, Alex Tizon, Jane Austen, Rebecca Solnit, Thierry Jonquet, Tom Digby, Scott Timberg, Walter Benjamin e até o meu querido Jorge Amado. Mas nada de Francisco. Lembro que nas ruas também não os encontrei.

Disseram-me que foram os padres franciscanos mexicanos que deram o nome a esta cidade. Aqui catequizaram índios, como no Brasil. Os Estados Unidos exploraram estas terras, antes mexicanas, e comprou-as do México com o ouro encontrado aqui, quando ainda terras mexicanas. Coisas de Capitalismo Selvagem. Mas o fato é que este lugar tem um exílio em sua história, como muitos brasileiros. E não fossem padres mexicanos, digo, se os norte-americanos tivessem chegado aqui antes dos mexicanos, talvez este lugar teria um nome como as férias dos artistas da revista Caras. Particularmente, eu acho San Francisco muito mais interessante. Pena que a compra destas terras mudou o estilo dos nomes dos nativos daqui.

Não desisto. Pergunto "in english" para o funcionário da livraria se aqui há artistas Francisco, como o nome da cidade. Ele parece não conhecer este nome entre os autores daqui. Pergunto sobre meu Chico Buarque. E ouço a resposta: "Sure!" E encontro as obras "Budapest" e "Spilt Milk". Sinto-me como se estivesse na esquina de casa. Procuro mais um pouco e antes de descansar meu sorriso encontro "Once Upon a Time in Rio", de Francisco Azevedo.

Ah, meu Brasilzão... São daí os Chicos mais lindos e talentosos! Não posso procurar aqui o que é de brotar aí, em verde-amarelo. Mas me permita incluir na minha história mais este Chico, este San Francisco, situado em terras norte-americanas. Se avéxe não, viu... Minha alma e meu coração são seus, mas eu gosto demais de andar por este mundão. E em terras de Francisco, não pude deixar de lembrar dos compadres.

Sua benção!

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Veja o slideshow com mais fotos da City Light Books feitas pela autora. 

 

Júlia Gaspar é jornalista, estudante de medicina e escritora. Recentemente publicou o livro de versos e prosas Pele de Dentro.