Edição 191 - Aracaju, 09 de novembro a 07 de dezembro de 2014

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Entrevista

Fábio Alves
A política econômica do governo Dilma

Por Sônia Araripe

Foto: Divulgação

Fábio Alves: análise da gestão econômica da presidente Dilma 

 

Poucos jornalistas conhecem tão de perto o humor – e principalmente a falta de humor – dos agentes do mercado financeiro brasileiro e seu “braço” internacional como Fábio Alves. A partir de alumas de suas principais análises na coluna na Broadcast, serviço de tempo real da Agência Estado, é possível ter um cenário bem definido de como os analistas financeiros avaliaram a política econômica do primeiro mandato do governo Dilma e a expectativa para o segundo mandato.

Editado pela Alta Books, o livro Inflação, Juros e Crescimento no Governo Dilma (304 páginas, R$ 49,90), que Fábio Alves acaba de lançar, vem em boa hora. Justamente na confirmação dos resultados das urnas, que reconduziram a presidente Dilma Rousseff para mais quatro anos de governo. A obra tem prefácio do economista Luís Eduardo de Assis, ex-diretor do Banco Central. “É um dos primeiros livros a analisar os complexos condicionantes que marcam a gestão econômica da presidente Dilma”, apresenta. Os artigos são curtos, reunidos em sete capítulos, e a leitura é essencial para quem deseja entender mais sobre o quadro atual.

Nascido em Pernambuco, Fabio Alves é fluente em inglês e ganhou o mundo com passagens profissionais por Nova York e Londres. Foi o primeiro correspondente da Agência Estado em Nova York, de 2000 a 2006. Depois, transferiu-se para a imprensa americana, onde atuou como repórter da Dow Jones Newswires, também em Nova York, regressando ao Brasil em 2010. Fábio trabalha como jornalista financeiro há 26 anos. Passou por importantes veículos de comunicação do Brasil como a revista Época e jornais como Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil e Gazeta Mercantil. Em Londres, foi produtor da BBC World Service.

Nesta entrevista especial para o Balaio de Notícias, o jornalista fala sobre o livro e também sobre a expectativa do mercado e também sobre os desdobramentos da matriz econômica brasileira. Segundo Fábio Alves, todas as atenções dos analistas financeiros estão voltadas para os rumos da política econômica. “O que mais preocupa o mercado é a manutenção da política econômica adotada por Dilma no seu primeiro mandato. Essa política resultou em crescimento baixo e inflação alta, o que muitos chamam de um cenário de estagflação.” A expectativa do mercado, analisa o jornalista, é que a escolha não seja por mais do mesmo. “Sem uma correção de rumo, o crescimento seguirá baixo, a inflação ficará pressionada e os investimentos não virão”. Acompanhe a entrevista.

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Seu livro mostra a visão do chamado mercado. Na sua análise, qual a avaliação do mercado financeiro neste fim do primeiro mandato?

A avaliação da gestão econômica no primeiro mandato do governo Dilma não foi positiva: crescimento mais baixo do que o esperado e inflação mais alta do que o inicialmente projetado. Ao mesmo tempo, o nível de investimento desabou no Brasil, para um patamar de 16,5% do Produto Interno Bruto (PIB). O selo de reprovação veio das agências internacionais de classificação de risco. Em março deste ano, a Standard & Poor’s rebaixou a nota soberana brasileira. No início de setembro, a Moody’s revisou a perspectiva da classificação soberana brasileira de estável para negativa. Tudo isso se refletiu nos índices de confiança de empresários e consumidores na economia brasileira. E sem confiança, o empresário não investe e, portanto, não contrata mão de obra nem o consumidor compra bens e serviços.

E qual a expectativa do mercado para o próximo mandato?

A expectativa é que Dilma Rousseff tenha aprendido com o que pareceu não ter dado certo na economia entre 2011 e 2014, incluindo a mão pesada em setores estratégicos, como a infraestrutura. Esse intervencionismo afastou os investidores estrangeiros do Brasil. Sem uma correção de rumo, o crescimento seguirá baixo, a inflação ficará pressionada e os investimentos não virão.

Na recente campanha presidencial, a justificativa mais ouvida foi que há uma crise internacional. Qual é o peso de movimentos internacionais na nova matriz econômica brasileira no mundo pós-crise?

O cenário econômico internacional, de fato, foi mais difícil e desafiador no primeiro mandato de Dilma comparado ao primeiro mandato de Lula, mas nem de longe pode ser a única ou a principal explicação para o desempenho da economia brasileira. Pesaram mais as decisões de política econômica doméstica e a falta de diálogo entre Dilma e o setor privado.

Muito se falou sobre a força da votação do Nordeste, que os programas sociais teriam sido determinantes para a vitória de Dilma na reeleição. Qual é a sua leitura?

É verdade. Dilma ganhou mais votos nas regiões onde o percentual de beneficiários do programa é elevado. Mas é inegável que houve uma parcela importante do eleitorado mais escolarizado na vitória dela, que avaliou o desempenho do primeiro mandato da presidente com um olhar diferente daquele de economistas e investidores.

Movimentos sociais pressionaram ao longo de 2013 e 2014, mas houve uma espécie de "trégua" nos últimos meses. Será que estes movimentos podem voltar a se insurgir nos próximos meses?

É provável que a relação do governo Dilma e movimentos sociais, como os sindicatos trabalhistas, ficará mais difícil, especialmente em 2015, pois é reconhecido por todos a necessidade de um ajuste macroeconômico no ano que vem. E ajuste sempre afeta os interesses de vários agentes econômicos, inclusive movimentos sociais.

O que preocupa mais ao mercado - a volta da inflação, os juros ou o baixo crescimento? Ou a combinação dos três?

O que mais preocupa o mercado é a manutenção da política econômica adotada por Dilma no seu primeiro mandato. Essa política resultou em crescimento baixo e inflação alta, o que muitos chamam de um cenário de estagflação.

Os indicadores mostram que, apesar do crescimento baixo, há redução nas desigualdades, maior inclusão social e melhoria no emprego e renda. Estes indicadores não deveriam ser comemorados pelo mercado?

A redução da desigualdade é positiva. Todavia, se a inflação sobe muito, corrói o poder de compra dos trabalhadores. Se o crescimento fica baixo por muito tempo, a criação de empregos cai. Assim, redução da desigualdade não pode ser pensada apenas como reflexo dos programas de transferência de renda. O ambiente macroeconômico é importante para garantir uma qualidade de vida melhor aos que emergiram da pobreza e se juntaram à classe média.

 

Sônia Araripe é Editora de Plurale em revista e Plurale em site.