Edição 189 - Aracaju, 14 de setembro a 12 de outubro de 2014

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Filosofia

Dois mil e trinta e oito
O ano de nossa redenção

Por W.J. Solha

 

Daqui a sete anos, a taxa de mortalidade da Europa começará a ser maior do que a da natalidade, estando nos imigrantes a "única solução para o problema do equilíbrio populacional", segundo o Eurostat. Em 2035, o número de habitantes do continente atingirá o pico de 521 milhões, começando então a cair, "por falta de imigrantes suficientes". No Brasil se dará o mesmo, apenas um pouco mais lentamente, segundo o IBGE, que prevê para 2038 o ano em que começaremos a ter cada vez menos gente.

Trata-se de um acontecimento único na História, que confirma algumas expectativas e me deixa bastante otimista quanto aos rumos da Humanidade. Ecossistema rearrumado, mais riquezas por cabeça, tecnologia muito mais avançada. A Idade de Ouro que previ em 1992 nos versos do concerto “Os Indispensáveis”, com música de Eli-Eri Moura, solistas, coro, orquestra, banda de rock e grupo de dança. “A dor morreu em paz e a miséria ficou pra trás”. Imagine que, finalmente, à custa de muita poluição, de um rombo na camada de ozônio, da devastação de matas e da extinção de tantas espécies, vamos chegando ao cumprimento do Gênesis 1.28 quando seu delirante autor ficcionou a cena de um Criador dizendo ao primeiro casal – “Crescei e multiplicai-vos, enchei a Terra e sujeitai-a, dominai sobre os peixes do mar, sobre os pássaros do céu e sobre todos os animais que se movem na terra.”

É instigante o fato de que se começou a perceber o desastre da superpopulação no exato momento em que Freud, no início do século XX, apresentava sua visão revolucionária da sexualidade, abrindo caminho para uma série de outras “revoluções” na área, como a dos relatórios de Alfred Kinsey - “O Comportamento Sexual Masculino”, de 1948, e “O Comportamento Sexual Feminino”, respectivamente -, este último empolgando Hugo Hefner de tal maneira que ele, no mesmo ano, conseguindo as fotos nuas de Marilyn Monroe, lançou o primeiro número da revista Playboy, levando a nova mentalidade erótica acadêmica às ruas. Quatro anos depois, Gregory Pincus teve aprovada a venda da primeira pílula anticoncepcional – Enovid-10 – apresentada oficialmente como medicamento para complicações menstruais. Dez anos após, o contraceptivo foi liberado na França, e isso – com todas as implicações políticas da época, marcada pela contestação - deu o clima para o famoso Maio de 68, que começou quando estudantes da Universidade de Nanterre exigiram o direito de dormir juntos nos dormitórios do campus. A partir daí, os códigos morais, religiosos e econômicos que reprimiam os homens e principalmente as mulheres desintegraram-se. Surgiu a Revolução Sexual, separando o ato sexual da procriação. E com isso, a taxa de natalidade, que em 1960 era 6,3 filhos por mulher, hoje é de 1,8. O casal não está mais sendo reposto.

A Revolução Industrial tivera efeitos colaterais semelhantes, só que na tecnologia. Em 1785 Edmond Cartwright inventa o tear mecânico. Em 1801, Joseph Marie Jacquard aperfeiçoa o tear, dotando-o de um controle através de cartões furados. Em 1847 e 1854, George Boole publica dois livros que formam a base da atual Ciência da Computação e da Cibernétiuca, propondo que qualquer coisa poderia ser representada por símbolos e regras e introduziu o conceito dos códigos binários – sim ou não, verdadeiro ou falso, o um ou o zero, o ligado ou o desligando etc. Em 1890, visando acelerar o imenso trabalho dispensado ao censo nos Estados Unidos, Hermann Hollerith desenvolveu um equipamento que usava os mesmos cartões perfurados idealizados por Jacquard nos teares. O sucesso de Hollerith foi tanto que ele fundou, em 1896, a Tabulation Machine Company, da qual nasceu, décadas mais tarde, impulsionada pelas necessidades não mais da Revolução Industrial, mas das guerras mundiais, a IBM. Foi durante a guerra fria que o governo americano resolveu criar um sistema para que seus computadores militares pudessem trocar – de uma base para a outra – informações . Foi assim que surgiu o protótipo da Internet.

Bem, trabalhávamos com máquinas de escrever Remington e calculadoras Facit acionadas a manivela, quando entrei no Banco do Brasil em 62, e terminei a carreira, em 90, vendo a contabilidade de 350 agências do Pernambuco, Paraíba, Rio Grande e Alagoas transferida para os computadores do Recife, o desenvolvimento da tecnologia acompanhando o aumento do número de clientes, de 6 milhões em 1995, para 30 milhões, com ainda maior crescimento do número de suas operações.

Acaso?

Gosto – como Descartes, que parte da estaca zero para chegar ao Penso, logo Existo - de me lembrar de que se minhas mãos têm uma finalidade, meu nariz tem uma finalidade, meus ouvidos têm uma finalidade, meu coração tem uma finalidade, assim como meus olhos, meu cérebro e meu sexo tem finalidade. Por que eu não teria? Por que o Homem – o superorganismo de que sou célula ambulante – não teria? Escorrego, então, da teologia – que sempre me soa “mitologia” – para a teleologia, que é o estudo das finalidades e objetivos do ser humano e da natureza. O estranho é que eu mesmo não sei, o Homem não sabe que finalidade, que objetivo é esse. Logo, trata-se de algo que vem de fora (ou de dentro) e, ao nos perguntarmos de onde, voltamos à velha resposta: Deus. Claro que excluo de pronto o ser supremo “revelado” pelas religiões, sempre demasiado humano, como nosso Jeová com suas fúrias, arrependimentos e sua ameaçadora ânsia de ser amado sobre todas as coisas. Como pensar numa Divina Misericórdia num mundo se o que se vê é a violência dos animais – com suas garras, presas e ferrões - além de nossos milhões de matadouros, sem falar da estupidez dos tsunamis, terremotos, erupções vulcânicas, furacões, enchentes e pestes?

Quando vejo essas previsões dos estatísticos do IBGE e do Eurostat, mais a grande revolução na comunicação e informação, a primeira coisa que me vem à mente são as constatações e “profecias” do Fenômeno Humano, livro escrito entre 1938 e 40 e publicado – postumamente – em 1959, pelo Padre Pierre Teilhard de Chardin, no qual, diante da ocupação crescente da Terra pelo Homem e do avanço das comunicações, desenvolveu a teoria de uma evolução que partira do caos primordial, chegara ao despertar da consciência humana ao que se seguirá... bem... uma Noogênese, quando todo o pensamento humano será integrado numa única rede inteligente, que acrescentará mais uma camada em volta da Terra: a Noosfera. Ele prevê aí, levando em conta a expansão populacional e a limitação disso que a esfericidade da Terra impõe, uma... acomodação das relações humanas e o fim da guerra de todos contra todos, detectada por Hobbes no “Leviatã”

Como o Homem é Natureza, vejo, nele, a Terra traduzindo seu conhecimento absoluto de um nível para o outro, o nosso, como instrumentos, que somos, com nossas mãos acionadas pelo cérebro. Esse momento ideal ele chama de Ponto Ômega. Padre vê, nele, o Cristo – a Humanidade – o Filho finalmente se fundindo com o Pai.

Quem viver, verá.

Este Ser Provisório, já aos 67 anos, fica por aqui.

 

 

W. J. Solha nasceu em 41, Sorocaba-SP, renasceu em Pombal-PB em 63. Trabalhou como ator nos filmes "O Som ao Redor" e "Era uma vez eu, Verônica". Pintou o painel Homenagem a Shakespeare (7,20m de largo), em exposição permanente no auditório da reitoria da UFPB. Escreveu a trilogia de poemas longos - Trigal com Corvos, Marco do Mundo e Esse é o Homem. Vários romances, alguns premiados nacionalmente, como Israel Rêmora (Prêmio Fernando Chinaglia 74), A Batalha de Oliveiros (Prêmio INL 88), Relato de Prócula (Prêmio UBE Rio 2010), a coletânea de contos e romances História Universal da Angústia (finalista do Jabuti 2006). Tem um livro inédito, Brevíssimos Ensaios Muitíssimo Ilustrados.