Ficção

Ciúme
O amor pela culatra

Por Eduardo Haak

Ilustração: Roy Lichtenstein

 

Laís era a mulher mais bonita da cidade. Ezequiel, seu marido, tinha muito ciúme dela.

Odeio que os homens olhem para você, dizia.

Um dia Ezequiel teve a ideia: se Laís arrancasse um dente da frente deixaria de ser tão bonita, e mesmo que alguém ainda se interessasse por ela, Laís ficaria com vergonha de aparecer em público. As mulheres são muito vaidosas e dão muita importância à dentição.

Se você me ama de verdade, quero que arranque um dente, disse ele. E não pode ser de trás.

Laís tentou argumentar, mas foi inútil. Marcou hora no doutor Calígula Cerveira e voltou para casa com a mão sobre a boca, carregando um saquinho da farmácia com uma caixa de antibiótico e outra de analgésico.

Passou uma semana de cama, sem falar, se alimentando de sorvete. Um dia apareceu na sala, onde Ezequiel lia o jornal.

E então?, Laís disse, sorrindo.

Ezequiel olhou horrorizado para a mulher: ela havia arrancado não um, mas todos os dentes.

Acabou abandonando-a, por não suportar olhar para sua boca murcha.

Doutor Calígula, que sempre nutriu uma paixão secreta por Laís, já começou a cortejá-la. Seu primeiro gesto galante foi a promessa de lhe fazer todos os implantes dentários.

 

 

Eduardo Haak é paulistano, nascido em 1971. Foi cronista do portal de conteúdo feminino do UOL, "iTodas", durante três anos. É autor do livro Tem uma coisa sobre mim que acho justo você saber, lançado em 2011 pela editora KBR. Blog do autor: http://eduardohaak.blogspot.com.br/.