Edição 187 - Aracaju, 20 de julho a 17 de agosto 2014

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Crônica

Elas
O mistério dos pequenos gestos

Por Victor Lima

 

Alguma coisa acontece quando elas mexem no cabelo e num malabarismo engenhoso fazem um coque e eis o pescoço nu — há algo mais potente que a nudez de um pescoço?

Alguma coisa acontece quando elas passam a tarde a tirar os cravos das suas costas numa dedicação de uma mãe que cata piolhinhos num filho.

Quando os dedos delas fazem cafuné em sua barba.

Quando elas pintam as unhas dos pés sentadas em sua cama, alguma coisa acontece.

Quando elas ligam de madrugada e ficam mudas — apenas o som da respiração — mesmo sabendo que o celular tem identificador de chamadas.

Quando elas estão com o filhinho no colo.

Quando elas bocejam e sorriem com tristeza no café da manhã: vocês sentados no tapete, o café recém-passado, o pão dormido.

Alguma coisa acontece quando elas chegam esbaforidas, encharcadas e buscam em sua toalha e em seu peito o refúgio.

Quando elas dormem de boca aberta como a criança que um dia foram.

Quando os olhares delas cruzam com o seu olhar e somem — pra sempre.

Quando elas abrem a boca pra falar mas guardam os dentes como se leitoras de Hilda e ainda assim você ouve o que é dito por seus olhos.

Alguma coisa acontece quando elas pedalam pela cidade na desenvoltura que te faz pensar na palavra flutuação.

Quando elas bebem do seu copo.

Quando têm sede do seu corpo, as línguas delas dançando com a sua no palco dos dois céus palatos.

Alguma coisa acontece quando você repara que elas tiraram o esmalte — pobre de quem não enxerga cada mínima nudez de uma mulher.

Quando os pés delas roçam nos seus.

Alguma coisa acontece aqui dentro.

Eu não sei qualé o nome disso.

Alguém sabe? 

 

Victor Lima é jornalista.