Edição 187 - Aracaju, 20 de julho a 17 de agosto 2014
Turismo
Por Nícia Ribas
Foto: Luciana Tancredo
Paisagem do Atacama: ecossistema especial
O respeito à natureza é uma prática constante na região norte do Chile, onde o Deserto de Atacama se estende por 181.300 quilômetros. Talvez pela deslumbrante paisagem, talvez pela ocorrência frequente de terremotos, ou porque é o lugar mais próximo do céu, o fato é que o povo chileno e também os turistas que andam por lá, reverenciam e protegem a terra andina. São incapazes de macular a vegetação dourada, grafitar montanhas incrustradas de sal e muito menos jogar lixo fora da lixeira.
A cidade de Calama, onde fica o aeroporto mais próximo de San Pedro de Atacama, é abastecida por energia eólica. Da estrada que une as duas cidades, avistam-se as fileiras de cataventos gigantes a girar sem cessar. Na praça principal de San Pedro, fartamente arborizada e alegremente frequentada por crianças e cachorros, o viajante esquece que está numa das regiões mais inóspitas do Planeta. Pode sentar numa confeitaria e pedir um cappuccino, enquanto aprecia a bela igreja de 1774, patrimônio nacional.
Bater pernas pela rua Caracoles, entre lojinhas, bares e restaurantes, provando um risoto de camarão feito com quinoa em vez de arroz, sempre acompanhado de um pisco sour, já é um programa que vale a viagem. Principalmente se, ao anoitecer, olhar para o céu. Que céu!
Empolgados com tanta luz de planetas e estrelas, muitos decidem visitar a casa do astrônomo francês Alain Maury. Lá, com uma lanterna a laser, ele aponta e nomeia cada astro para, em seguida, colocar à disposição dos visitantes os seus 10 telescópios espalhados pelo jardim.
E se quiserem tocar nos asteróides, no dia seguinte podem visitar o Museu do Meteorito, onde estão 77 que caíram por lá, foram analisados e classificados pela Nasa e estão expostos sob uma grande tenda redonda branca. Mai conta a história de cada um deles com o maior entusiasmo.
Quanto menos poluição melhor. Por isso, os hotéis e pousadas alugam bicicletas para conhecer as atrações do deserto. Pedalando três quilômetros, por exemplo, chega-se às ruínas de El Pukara de Quitor, uma cidade do tempo dos incas construída sobre a Cordilheira do Sal. Calor, poeira e altitude atacamenhos tornam ainda mais pitorescos os passeios. Nada que uma garrafa d`água, um boné, protetor solar e balas de coca não resolvam.
Para refrescar, a Laguna Cejar!
A 20 quilômetros ao sul de San Pedro, entre as dunas do Salar de Atacama, encontram-se as lagoas Cejar e Piedra, de cara para a Codilheira dos Andes. O desafio para turistas do mundo todo é banhar-se nas águas geladas e relaxar sem afundar jamais, pois a grande quantidade de sal mantém qualquer corpo boiando. Nas bordas das lagoas, cristais de sal afiados exigem o uso de sandálias.
Um ecossistema especial, conhecido como “bofedal” permite o desenvolvimento de abundantes espécies vegetais, e consequentemente, o abastecimento das comunidades locais, com bastante água e pasto para o gado. Ao longo das estradas, grupos de vicunhas e lhamas.
Pouco mais adiante, dois imensos poços de água doce em pleno deserto, mergulho perfeito para quem ainda sente na pele o sal da Cejar. O por do sol às margens da Lagoa Tebinquinche, apreciando o reflexo dos Andes e a brancura do sal merece um brinde com pisco sour. Ali ninguém pode pernoitar para evitar qualquer poluição.
Camping e cigarros estão proibidos na área.
Ponto alto do turismo no Salar do Atacama são as lagunas altiplânicas, denominadas Miscanti e Miñiques a 4.200 metros de altura na base dos vulcões da Cordilheira dos Andes. No caminho até elas, avistam-se flamingos alimentando-se na Lagoa Chaxa. O Salar de Atacama se estende por 320 mil hectares cobertos por uma crosta de sal devido ao acúmulo constante de cristais produzidos pela evaporação das águas subterrâneas intensamente salgadas.
No Museu Arqueológico Gustavo Le Paige,em San Pedro de Atacama, estão as provas de que o homem chegou àquelas terras há cerca de 13 mil anos. Mas restam apenas cerca de cinco mil atacamenhos em vilarejos como Socaire e Toconao, que vivem do turismo. A igreja de San Lucas, em Toconao, foi construída à prova de terremotos e desde 1951 é monumento nacional.
Paisagem única
A nove graus abaixo de zero, a 4.300 metros de altitude, fica difícil para um oriundo de país tropical apreciar qualquer coisa. Mas os Gêiseres do Tatio não são qualquer coisa. Uma visão inédita de caracóis de nuvem branca de até 10 metros intriga os visitantes. O que é isso? De onde vem essa névoa? Numa região com muitos vulcões, a água subterrânea submetida a alta pressão alcança temperatura de 85º.C, evapora e busca saída através de fissuras no solo terrestre. O fenômeno é ainda mais atraente ao amanhecer, quando a chegada dos primeiros raios de sol por trás da Cordilheira colorem as colunas de vapor.
No Vale da Lua, parece que a qualquer momento surgirão enormes dinossauros por trás dos morros de areia e sal, enquanto o Vale da Morte lembra tanto a superfície de Marte que a Nasa até já esteve lá testando sondas. Hordas de humanos caminham acima e abaixo, sem deixar rastros, refletindo sobre a imensidão e a beleza do Planeta que merece ser preservado.
Nícia Ribas é jornalista. Matéria originalmente publicada na edição 41 da Revista Plurale.