Edição 181 - Aracaju, 02 de fevereiro a 02 de março de 2014
Ficção
Por Rafael Sperling
Ilustração: Andree Descharnes
Foi assim, eu fui na padaria e disse, moço, eu quero pão, ele disse, que pão você quer, eu disse, o de comer, ele disse, qual a cor que você quer, eu disse, da cor de pão normal, ele disse, aqui tem de várias cores, azul, amarelo, vermelho, roxo, eu disse, nossa, nunca vi pão dessas cores, ele disse, pois é, qual você vai querer, eu disse que queria o pão da cor normal de pão, sem corante do caralho da puta que o pariu, ele mandou eu maneirar o meu linguajar e eu disse que linguajar era o que eu fazia pra boceta da mãe dele abrir, então ele tacou um pão azul na minha cabeça e mandou eu me foder e tomar no meu cu e disse que ia me quebrar na porrada se eu não sumisse dali, eu disse que se ele tentasse fazer alguma coisa o cu dele ia ficar cheio de pão colorido, e que depois o cu da mãe dele ia ficar branco e gosmento, que nem o cérebro dele devia ser, aí ele empurrou no chão todas as coisas que tavam em cima do balcão, um monte de pão colorido e doce que faz barulho e biscoito que brilha no escuro, e pulou em cima de mim tentando me bater, mas eu sou forte pra cacete, não deixei ele me bater, bati na cabeça dele várias vezes com o meu punho, esse meu punho esférico com dedos hexagonais, cada soco solta uma luz de uma cor diferente, um soco é laranja, o outro é cinza, o outro é rosa-choque, além de que junto com a cor sai um som bonito, uma nota com um som que é agradável só pra quem tá socando, pois pra quem tá levando o soco tem muita dor envolvida e não há tempo para a apreciação sonora, e eu pegava a cabeça dele e batia contra o vidro da bancada, ele gritando "me solta, me solta, eu vou te matar, destruir a tua família" e eu dizia "não solto, não solto, eu vou te matar, destruir a tua família", ele pegou um pão colorido e tentou enfiar nos meus olhos, mas eu sou esperto, quando vi o pão azul vindo fechei bem os olhos, minha pálpebras são incrivelmente musculosas e calejadas, foram muitos anos de treino intenso na Groenlândia islâmica, quando ele tentou enfiar o pão nas minhas pálpebras, o pão explodiu e os pedaços de pão explodido voaram numa velocidade interestelar, cada pedaço atravessou o crânio dele, estraçalhando o cérebro branco e gosmento dele, as pessoas que estavam na padaria disseram, é, realmente, a culpa é do padeiro, ele que tentou matar o homem inocente que veio aqui comprar pão, é um direito do cidadão tentar comprar pão e sair vivo da padaria. Eu concordo.
Rafael Sperling nasceu em 1985 no Rio de Janeiro. Compositor e produtor musical, em 2011 lança seu primeiro livro, Festa na usina nuclear (Ed. Oito e meio). Suas histórias foram publicadas em sites, revistas e jornais, como a Revista Machado de Assis, Jornal Rascunho, Cândido, Lichtungen (Áustria), Faust-Kultur (Alemanha), 2384 (Espanha) e Rattapallax Magazine (EUA).