Edição 166 - Aracaju, 02 de dezembro de 2012 a 06 de janeiro de 2013
Entrevista
Por Renato Tardivo
Foto: Divulgação
Rinaldo de Fernandes: escritor e antologista
Rinaldo de Fernandes, maranhense radicado na Paraíba, é um homem das letras: professor de literatura, ensaísta, ficcionista, antologista.
Foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura em 2008 com o romance Rita no pomar (7Letras), venceu o disputado Concurso Nacional de Contos do Paraná com o conto “Beleza”, é autor de um dos mais impactantes contos da literatura brasileira – “Duas margens”, do livro O perfume de Roberta (Ed. Garamond).
Entre as antologias que organizou, destaca-se Chico Buarque do Brasil (Ed. Garamond), que, além do sucesso de vendas, transformou-se em leitura obrigatória para os estudiosos da obra de Chico Buarque. No campo da ficção, o ensaísta e antologista vem sendo responsável pela revelação de talentos – tanto os jovens quanto escritores já experientes.
Além de talentoso e erudito, Rinaldo é extremamente generoso. Na entrevista concedida por e-mail, o escritor – que acaba de lançar dois livros – fala do seu trabalho, de literatura brasileira e, de quebra, antecipa seus projetos para o próximo ano.
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Você acumula algumas atividades: é professor universitário, organizador de antologias, ensaísta, colunista em suplementos literários e escritor premiado de ficção. Como é possível se sair tão bem em tantas frentes e em qual delas você mais encontra sua verve?
Todas essas atividades me preenchem e atendem às minhas necessidades. Ser professor me permite estar sempre atento, atualizado, além de ter contato com jovens, com suas inquietações, procuras. O ato de fazer um indivíduo se interessar pelo conhecimento, de pôr questões para ele pensar, de lhe abrir certos horizontes, é muito gratificante – e isso é função do professor. Preparar antologias não é só juntar textos – é permitir ao leitor uma compreensão mais abrangente e/ou consistente de um tema. Já a minha produção ensaística decorre, sobretudo, de minhas atividades como pesquisador, como professor. O ato crítico é um ato de alteridade, de atentar ou se voltar para o outro. Também tenho essa necessidade de apreciar a produção dos colegas escritores, de ver como eles estão elaborando as suas obras, como estão crescendo em sua arte. Por sua vez, a atividade de ficcionista é talvez a que mais me dê prazer. Pouca coisa se compara com a fantasia criadora, com as imagens, com o ato de intuir e se inserir na linguagem para elaborar um conto ou um romance.
Sua ficção tem recebido prêmios e menções importantes. Seus contos foram destacados por nomes importantes da nossa literatura (Moacyr Scliar, Mário Chamie, Nelson de Oliveira, José Castelo, Regina Zilberman, entre outros) e amealharam prêmios como o Concurso Nacional de Contos do Paraná. Além disso, seu romance Rita no pomar foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura e do Passo Fundo Zaffari & Bourbon. Mais recentemente, você postou na internet algumas micronarrativas. Como você lida com essas diferentes formas de expressão? Tem preferência por alguma delas?
Não é fácil, num país da extensão do Brasil, um escritor conseguir se projetar nacionalmente, sobretudo como ficcionista, pois a ficção tem normalmente um público mais restrito, havendo, em consequência, uma restrição no âmbito editorial. As editoras não se interessam muito por livros de contos. Abrem mais as portas para os romances – e mesmo assim são poucos os romancistas que conseguem emplacar seus livros por boas editoras. Mas, se você acredita no seu talento, leva a sério o trabalho com a literatura, é disciplinado e obstinado, as portas aos poucos vão se abrindo. De fato, já inseri meu nome no cenário nacional como ficcionista, sobretudo depois de vencer o Prêmio Nacional de Contos do Paraná com o conto “Beleza”, em 2006, concorrendo com cerca de 1.200 autores, e ser finalista, em 2009, dos prêmios São Paulo e Passo Fundo Zaffari & Bourbon com o romance Rita no Pomar. Foram momentos importantes na minha trajetória de ficcionista. Utilizo também a internet para propagar a minha produção, como fiz, de junho a setembro de 2011, diariamente, ao postar um microconto no Twitter. O microconto é uma nova forma de narrativa, dos tempos das novas tecnologias, e que é muito difícil, exige um poder enorme de compactação e de sugestão. Para mim, é um grande desafio. Acredito que, em ficção, toda forma é desafiadora e cativante para o verdadeiro ficcionista. Para este, tanto faz ser um romance, um conto ou um microconto – tudo exige força, talento, poder de elaboração.
Nos últimos anos, você organizou importantes antologias. A figura do antologista se confunde em certa medida com a do editor? Ou, ainda, com a do curador de uma exposição de arte, visto que ele busca escritores e textos com o fim de desenvolver um projeto dentro de determinada poética?
O trabalho com antologias, de ensaios ou de contos, me é muito gratificante porque, através delas, eu junto forças para dar respostas a certos campos de sentido. Organizar antologias, como já indiquei, não é só reunir textos – é possibilitar ao leitor uma compreensão mais abrangente e/ou consistente de um universo temático. É um trabalho muito sério e que faço com muita responsabilidade. Não deixa de ser um trabalho de editor, de busca pelo melhor autor, pelo melhor texto. Normalmente, nas antologias que preparo, especialmente as de contos, utilizo o critério básico de juntar os escritores mais experientes com os emergentes e mesmo com as jovens promessas. Os resultados têm sido maravilhosos.
Você acaba de lançar o livro Vargas Llosa: um Prêmio Nobel em Canudos – ensaios de literatura brasileira e hispano-americana. Poderia contar brevemente do que trata o livro?
Nele reúno uma produção ensaística de pelo menos dez anos. Textos retirados de minha tese de doutorado na Unicamp, defendida em 2003, sobre o romance A guerra do fim do mundo, de Vargas Llosa. De minha tese também extraí textos sobre a teoria do romance histórico, sobre o surgimento e a evolução do romance histórico da América Latina. Há também alguns ensaios em que analiso letras de Chico Buarque, como “Mulheres de Atenas” e “Las muchachas de Copacabana”; um ensaio em que comparo Chico Buarque e Tom Jobim; uma longa cronologia, atualizada, da vida e obra de Chico, transportada, para o livro de agora, do livro Chico Buarque do Brasil, que organizei em 2004. Chico eu pesquisei em meu mestrado. Do livro consta ainda uma série de textos sobre romancistas e contistas brasileiros contemporâneos. O livro, aliás, se inicia com o ensaio “O Conto Brasileiro do Século 21”. Autores consagrados, como Luiz Vilela ou Dalton Trevisan, ou emergentes, como Antonio Carlos Viana, Nelson de Oliveira e Marçal Aquino, além de jovens promessas, como Eduardo Sabino, Ataíde Tartari e Renato Tardivo, são comentados em ensaios do livro.
Ainda em Vargas Llosa, você afirma no primeiro ensaio que “o conto tem sido o gênero de destaque” na literatura brasileira nas últimas décadas. Em linhas gerais, que argumentos sustentam essa tese?
O principal argumento é a versatilidade dos contistas, que praticam várias formas do conto, além de representarem em suas narrativas situações exemplares, agudas, do homem contemporâneo. Forma e teor articulados para dizerem da vida, da realidade, com uma força pouco vista em outros gêneros. Os romancistas e poetas também têm feito coisas importantes, mas com certo ar de coisa já vista, degustada – na poesia, aqui e ali, algum poeta mais inventivo, na boa tradição da Poesia Concreta, ou atrelado à dicção transgressiva da prosa de Guimarães Rosa (caso de Manuel de Barros). Mas sem um salto mais largo, sem força bastante para instaurar algo realmente de novo. Posso estar enganado, mas há um ar de cansaço na poesia e no romance brasileiro recentes. Já os contistas são inquietos, têm procurado inovar – veja o caso, que em certos autores é mesmo impressionante, dos microcontos, uma forma das mais eficazes nesses tempos de Twitter, de novas tecnologias.
No fim de novembro, chegou às livrarias mais um livro organizado por você: 50 versões de amor e prazer – 50 contos eróticos por 13 autoras brasileiras, coletânea que, do ponto de vista mercadológico, pretende competir com o best-seller Cinquenta tons de cinza. Há em 50 versões de amor e prazer contos de autoras novas e de escritoras já estabelecidas, mas todas elas são consideradas escritoras talentosas. É possível conciliar qualidade estética e atender às exigências do mercado?
Sim, sem dúvida. Ninguém ganha de graça livro de Machado, de Drummond, de Rosa... Todo grande autor é também um produto. Suas obras são mercadorias expostas nas livrarias, nos sites de venda. Os grandes autores são, permanentemente, reimpressos porque vendem, porque as pessoas, as instituições, os consomem. Eis, portanto, um exemplo de qualidade estética que se casa às exigências do mercado. Como o mercado vende também, e sobretudo, muita porcaria, coisa sem valor, é sempre necessário usar a sua força para levar coisas boas aos leitores. Sempre, em meus projetos de antologias, operei com essa lógica – utilizar a força do mercado para levar coisas de qualidade para os leitores. A antologia 50 versões de amor e prazer tem muita qualidade. Reúne autoras brasileiras importantes da atualidade, premiadíssimas.
Sabemos que você é um autor em franca produtividade. Poderia antecipar os próximos projetos?
Em 2013, lançarei dois livros. Um em que reúno meus mini e microcontos. Um outro, de ensaios, deverá sair por uma grande editora, e certamente entrará com muita força no mercado. Mas por enquanto, por uma questão editorial, não posso dar mais detalhes dele.
Renato Tardivo, 32, é escritor e psicanalista. Autor de Porvir que vem antes de tudo – literatura e cinema em Lavoura Arcaica (Ateliê/Fapesp) e dos volumes de contos Do avesso (Com-arte) e Silente (7letras).